Viernes, 19 de Abril de 2024

Escorpiões de anedota

BrasilO Globo, Brasil 12 de julio de 2018

Cora Rónai

Cora Rónai
Não comemoro a prisão de Lula. Para dizer a verdade, não comemoro a prisão de ninguém. Entendo que algumas pessoas precisam ser afastadas da sociedade como medida de proteção para as demais, e que culpados devem expiar os seus crimes, mas como ser humano lamento por quem perde a liberdade. No caso de Lula, especificamente, lamento também por tudo o que ele representava e por todas as esperanças frustradas pelo projeto de poder do PT, que se sobrepôs ao que, em tese, seria um projeto de governo bem intencionado. Sobretudo lamento, como brasileira, que um presidente do meu país tenha sido condenado, porque isso revela como falhamos como sociedade.
Tenho dúvidas, além disso, em relação ao momento em que essa prisão foi efetuada. Acho-a prejudicial para o processo político como um todo, sobretudo num ano eleitoral tão delicado. Estamos nadando em águas turvas, e ela é um elemento a mais numa confusão que, definitivamente, não precisa de elementos a mais. A prisão de Lula tem o poder de jogar uma sombra sobre qualquer resultado a que as urnas nos levem, porque sempre haverá alguém para dizer, e uns tantos juristas para corroborar, que Fulano ou Beltrano só chegou lá porque Lula estava preso; e está mesmo, portanto não haverá jamais como contestar este fato.
Dito isso, reconheço que não se cometeu nenhuma injustiça. Injustiça, em relação aos nossos poderosos, se comete não com os que estão presos, mas sim com os que continuam soltos. Aumentando ou não a turbulência, engrossando ou não a narrativa do golpe, a prisão de Lula obedeceu a todos os trâmites legais.
Mas aí aparecem três deputados e um desembargador petistas mancomunados e correndo por fora, num domingo, em pleno recesso, se achando espertíssimos, e mandam soltá-lo à luz do novo fato da sua pré-candidatura. Francamente. Eu ia perguntar se não tinham um motivo menos estapafúrdio, uma saída mais inteligente, porque esse argumento é uma ofensa à inteligência coletiva da nação; mas a trapaça que armaram não passava pela qualidade dos argumentos. Não era de fazer justiça que se tratava, era de fazer uma jogada política. O que estava ou não estava escrito naquele HC pouco importava; importava se ia colar, se iam conseguir pegar os outros distraídos.
Para todos os efeitos, podia ser uma folha em branco, uma receita de bolo, um exercício de matemática.
Nenhum dos atores tem qualquer compromisso com as leis ou com o país, cujas instituições já estão suficientemente fragilizadas. Todos os envolvidos na patuscada sabiam perfeitamente que, se Lula fosse solto, na segunda-feira, no mais tardar, já haveria nova ordem de prisão contra ele. A intenção óbvia não era garantir a sua liberdade, mas agitar as manchetes e os trending topics, criar caso, açular a militância. Fazer onda por fazer. Até Zé Dirceu reapareceu, muito rejuvenescido por sinal, para comemorar o lindo domingo de #lulalivre.
Não é que já não soubéssemos, mas nesse dia ficou muito claro que a nossa Justiça não é movida por princípios, mas por esperteza e por malandragem. O PT, que tanto grita contra a politização do judiciário, fez questão de provar a sua tese da forma mais explícita possível, usando um desembargador da casa para passar por cima da lei " a "absoluta incompetência do Juízo Plantonista para deliberar sobre a questão" não é opinião minha, mas da presidente do STJ, que não escondeu a sua perplexidade diante do que lhe pareceu "tumulto processual sem precedentes na história do direito brasileiro".
Todos perdemos com isso, a começar pelo PT e pelo próprio Lula, que passaram " mais uma vez " a impressão de manipular o sistema na defesa dos seus interesses. Para um povo que já está cansado de jogadas políticas e de gente malandra, essa palhaçada fez tanto sentido quanto queimar meia dúzia de pneus em vias de acesso para criar engarrafamentos monstro e infernizar a vida de quem só quer um mínimo de paz: mais lenha para a fogueira da polarização.
Um país fora de controle com uma população exasperada é tudo o que Bolsonaro precisa para ganhar as eleições de lavada.
Em suma, dane-se o Brasil, desde que o PT possa dar o seu show e que Lula ganhe palanque.
Bando de escorpiões de anedota.
Enquanto o PT escancara a sua relação com a Justiça, o bispo do Rio escancara os seus verdadeiros propósitos. De novo: nada de que já não suspeitássemos, mas agora às claras, desde a reportagem de Bruno Abbud e Berenice Seara.
"Nós somos a esperança. Nós pegamos a oferta do povo, levamos pro escritório, contamos tudo e a gente constrói igrejas. É esse Brasil evangélico que vai dar jeito nessa pátria."
"Tem pastores que estão com problemas de IPTU. Igreja não pode pagar IPTU, nem em caso de salão alugado. Mas se você não falar com o doutor Milton, esse processo pode demorar e demorar. Nós temos que aproveitar que Deus nos deu a oportunidade de estar na Prefeitura para esses processos andarem."
Que sina, a desta cidade.
Que destino, o deste país.
O pior é que ninguém vai nos ajudar a sair da caverna; ou nos salvamos sozinhos, ou seremos para sempre as ovelhas mansas " e tosquiadas " da ideologia e da religião.
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