Sábado, 20 de Abril de 2024

Rouanet e a lei da gravidade

BrasilO Globo, Brasil 18 de diciembre de 2018

Arnaldo Bloch

Arnaldo Bloch
Ao repercutir o desabafo de Fernanda Montenegro, no Faustão, a respeito das inverdades em série (metralhadas pelas brigadas de terrorismo informacional da nova direita brasileira), o site do GLOBO publicou uma reportagem de Paula Autran e Jan Niklas num espírito entre Fato/Fake e MythBusters, sob o título "Lei Rouanet: o mínimo que você precisa saber para falar do assunto sem passar vergonha" (https://glo.bo/2UMpaDS). É ilustrada por uma foto de Leonardo Aversa em que Fernanda aparece cobrindo o rosto, numa expressão que poderia ser interpretada como de espanto por vergonha alheia.
Vários mitos são derrubados na matéria. Por exemplo, a Lei não "come" o dinheiro do país: na verdade, a cultura é a lanterna dos setores incentivados (0,66% contra 24,5% de comércio e serviços, na outra ponta). Não beneficia "só artistas conhecidos": são cerca de 3 mil projetos por ano. Não é "coisa do PT": foi criada durante o governo Collor. Chico Buarque não "mamou em suas tetas": jamais se valeu do incentivo. Artistas não "sugam impostos": quem decide para que setor destinar o dinheiro é a pessoa física ou empresa pagadora, através de renúncia fiscal. Além do quê, a lei gera impostos exponencialmente: para cada R$ 1 investido, R$ 4 são recolhidos. Isso sem falar no efeito cascata, no uso de hotéis, transportes, alimentação etc.
De onde quer que venham, mentirosos e mal-intencionados nunca desistem. Continuarão a insistir na desinformação. O que assusta mesmo são aqueles que, na inocência, negam-se a enxergar um palmo à frente, confundindo negação com opinião. Vi, nas redes sociais, gente dizendo que "não concorda" com o que diz o tira-teima publicado. Corresponde a dizer que o que está escrito no texto da Lei não é o que está escrito no texto da Lei. Alguém, zombeteiramente, rebateu: "Você não concorda, do mesmo modo como, em outras eras, não concordaram que a Terra é redonda, que gira em torno do Sol, que lavar as mãos e tomar banho ajudam a preservar a saúde, que índios são gente".
Palavras até moderadas, as do sujeito: na realidade, muita gente ainda hoje contesta a curvatura do planeta. O insano movimento de terraplanismo ganha fôlego, na trilha da anticiência, do criacionismo e de outras crendices oriundas da alienação neomedieval vigente.
A discussão no Facebook continuou: "Mas não concordar é um direito que a pessoa tem. Vivemos em uma democracia ou não?" O zombeteiro voltou à carga esclarecendo que "não concordar" com coisas como a Lei da Gravidade não é bem a quintessência da democracia. É um direito, claro, que a Constituição outorga, discordar do que quer que seja. De que precisamos de oxigênio para viver. Ou de que seres humanos morrem sem água. "A menos que você queira matar alguém sufocado ou de sede", acrescentou.
Vivemos a Era da Opinião. Não se trata mais de ter quinze minutos de fama, mas de ter 140 (ou 280) toques de lama. Ou um textão obtuso pra chamar de seu. Dizer que está escrito X onde está escrito Y. Que 2 + 2 = 0. Defender que tudo isso é uma questão de opinião. Que é um direito, ninguém discute. Mas, se não decorrer de um grave problema cognitivo, alteração da percepção ou revelação sobrenatural, só pode ser ato de má-fé. Fato.
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