Viernes, 19 de Abril de 2024

‘Todo mundo é a favor de ajuste, nem sempre no seu setor’

BrasilO Globo, Brasil 17 de febrero de 2019

Entrevista

Entrevista
Após quase três anos à frente do Banco Central, Ilan Goldfajn começa a esvaziar as gavetas. Em duas semanas, assumirá Roberto Campos Neto, se aprovado pelo Senado. Ilan entregará o cargo com inflação controlada, os juros mais baixos da história e medidas engatilhadas para reduzir o custo do crédito no Brasil. Ilan avalia que nunca viu tanta compreensão da sociedade sobre a urgência de ajuste das contas públicas e da reforma da Previdência, mas percebe que as pessoas não querem que as mudanças afetem o próprio bolso. Para o presidente do BC, há um limite para a queda de juros sem redução do custo Brasil.
É melhor uma reforma da Previdência profunda ou aprovar o que for possível rapidamente?
Não é meu papel discutir os detalhes. Para o Banco Central, quanto mais profundo e maior o ajuste, melhor para manter inflação baixa, juros menores e recuperar a economia. A gente pode dar prioridade um para a reforma e tentar que ela seja o mais profunda possível. Não vejo contradição. É consenso que é a reforma mais importante.
O país, a sociedade, finalmente entendeu que o controle fiscal é fundamental?
A percepção é bem maior que há um ano. Todo mundo é a favor de ajuste. Nem sempre é a favor de que o ajuste recaia sobre o seu setor, o seu benefício, a sua Previdência. Cada um percebe como se já tivesse contribuído muito e que os outros têm de contribuir. Todo mundo vai ter que contribuir.
Críticos dizem que sua gestão demorou para baixar os juros, mesmo diante de uma economia muito fraca.
A gente conseguiu ancorar as expectativas (para a inflação futura) na meta. Não abaixo, mas na meta. E parece que, no ano passado, foi muito útil não estar no limite (ou seja, com a inflação abaixo da meta). Quase todos os países emergentes subiram os juros, teve depreciação das moedas. Duas economias emergentes importantes tiveram crise pesada: Argentina e Turquia. Tínhamos a folga. Isso permitiu que o Brasil fosse um dos poucos a não subir os juros. Significou que o Banco Central contribuiu para que a recuperação fosse melhor.
As taxas do cartão de crédito
e do cheque especial ainda assustam. Quando os juros brasileiros serão normais?
A gente está caminhando. A taxa do cartão era 474% ao ano e caiu para 275% ao ano. É claro que ainda é alta, mas não se pode desprezar a mudança. A gente vai continuar avançando. A velocidade depende da nossa capacidade de aprovar todas as medidas. Às vezes, depende do Legislativo.
O cadastro positivo está parado há quase um ano na Câmara. Há esperança ainda?
Foi aprovado no Senado e foi rapidamente para a Câmara. A ilusão era que "agora vai". E nada. Já se passou um ano, e acho que vai ser aprovado, mas demorou. Enquanto tivermos custo Brasil do jeito que é, vamos ter custo de crédito mais alto também.
Mas isso justifica o custo do crédito brasileiro?
Se você zerar o lucro dos bancos, vai continuar com o spread (diferença entre custo de captação de recursos pelos bancos e o repassado ao cliente) mais alto do que no resto do mundo. Um dado para entender nosso drama: a capacidade de recuperação de crédito com as garantias nos países ricos da OCDE é de 80%. Na América Latina, de mais de 70%. No Brasil, de 13%. Nossa distribuição de renda é ruim e muitas vezes se faz "justiça" no crédito (ou seja, decisões judiciais favoráveis a inadimplentes).
Muitos juízes alegam, em suas decisões, que os juros são abusivos no Brasil.
A minha visão é que tem uma lei e tem uma garantia. É como dizer que o preço do automóvel no Brasil é o dobro do preço no exterior. Aliás, mais que o dobro, é o triplo. Como o BC é muito transparente, todo mundo sabe o spread (do crédito). E se eu divulgasse o spread para qualquer produto no Brasil? Qualquer um. Automóvel, energia elétrica. Todo mundo ia ficar revoltado. No Brasil, custa mais caro. É imposto. É burocracia. O BC está tentando chegar à relação (do custo) com o resto do mundo. Espero que outros setores também cheguem.
No caso do cheque especial,
o BC não errou em deixar na mão da Febraban a elaboração de uma norma em vez de regular?
Depois da medida, o juro do cheque especial caiu. Não caiu muito. Acho bom sempre começar com autorregulação. A gente vai continuar olhando para ver se funciona e se precisa fazer alguma coisa além disso. Não estamos satisfeitos com nenhuma taxa no Brasil.
A expectativa é adotar novas medidas para a queda de juros ao consumidor?
Várias medidas ajudam a trilhar esse caminho de competição. Demos bastante força para as fintechs. Não as regulamos de uma forma intensa para não colocar burocracia. Temos hoje competição saudável no mercado de pagamentos. Você vê maquininhas em tudo quanto é lugar. Introduzimos a portabilidade da conta salário. Tudo isso está indo na linha da competição. A gente está só no começo.
Qual seria o próximo passo,
os produtos de investimento? Estamos vendo a briga entre
a XP Investimentos e o BTG Pactual.
Eu não vou citar nomes porque não cabe ao Banco Central citar casos específicos, mas o que você está escutando são os sinais da competição. É um contra o outro. Nossas decisões caminharam no clima de tentar aumentar a competição. A gente sempre viu isso, mas, agora, está com olhar mais atento.
Que outras medidas podem ter impacto?
A gente está andando, de uma forma sistemática, para acabar com a meia-entrada (ou seja, o crédito subsidiado), que tem a ver com o spread, porque a entrada inteira fica mais barata.
O governo acabou com a TJLP, a taxa subsidiada do BNDES. Mas ainda há outras modalidades de crédito subsidiado no país.
Criamos um grupo de trabalho junto com o Ministério da Agricultura, da Economia e o Banco Central. Crédito rural é um direcionamento. Temos de fazer um regime com objetivo de o subsídio ser explícito e direcionado para quem precisa. E com o modelo que talvez enfatize mais o seguro agrícola.Vamos trabalhar no último grande direcionamento que é o imobiliário. No ano passado, a gente já flexibilizou bastante, com um instrumento novo chamado LIG, a Letra Imobiliária Garantida. Ela dá garantia, tem isenção tributária e os bancos já começaram a lançar. Vai ser o grande instrumento de captação daqui em diante.
Quando será aprovado o projeto de autonomia do BC?
Nunca vi um ambiente nos últimos anos tão propício para aprovar autonomia. É umas das prioridades dos cem dias (do governo Bolsonaro). Agora, qualquer discussão tem de achar o seu espaço. O governo é que tem de decidir o timing adequado.
Ilan Goldfajn/ presidente do banco central
La Nación Argentina O Globo Brasil El Mercurio Chile
El Tiempo Colombia La Nación Costa Rica La Prensa Gráfica El Salvador
El Universal México El Comercio Perú El Nuevo Dia Puerto Rico
Listin Diario República
Dominicana
El País Uruguay El Nacional Venezuela