Cultura do ‘saber sofrer’ mascara condições insalubres

Não bastassem os adversários em campo, jovens jogadores também precisam driblar dirigentes e torcedores que tentam naturalizar problemas graves nas divisões de base. Atletas que reclamam de alimentação ou alojamentos são rebatidos, muitas vezes, com um cínico "saber sofrer". Nesse raciocínio, as péssimas (e perigosas) condições evitam que os jovens se acomodem ou fiquem "mimados".
" Já ouvi muito isso " diz Douglas Lima, meia de 24 anos. " Roer o osso tem que ser só dentro de campo. Todo mundo é gente.
Douglas, hoje no Volta Redonda, passou pela base de clubes como Corinthians, Fluminense e Vitória. Ele diz já ter dormido em contêiner que inundava na chuva e em um quarto superlotado que o fez desistir de um clube e voltar para casa.
" Às vezes o garoto acaba engolindo isso, até porque em casa ele muitas vezes também dorme no chão, não tem café da manhã... Só que o clube precisa ter responsabilidade " frisa o ex-goleiro Getúlio Vargas, revelado pelo Flamengo.
Depois do incêndio no Ninho do Urubu, Getúlio usou suas redes sociais para compartilhar fotos, enviadas de todo o Brasil, que denunciavam condições insalubres de alojamentos:
" Fiz isso para que os responsáveis tomem atitude. Se não melhorar, tem que fechar. Aí fica sem base, não vai vender ninguém.
O "mecanismo de solidariedade" da Fifa, que dá ao clube um percentual de futuras vendas de atletas que revelou, rendeu cerca de R$ 40 milhões a equipes brasileiras em 2018. Júnior Chávare, diretor da K2 Soccer, frisa que é preciso ver a base como investimento. A empresa atua na gestão do Tubarão-SC, time da Série D que tem certificado de formador pela CBF. No ano passado, a receita do Tubarão com venda de atletas correspondeu a 60% do orçamento do clube:
" É o tipo de receita que não dá para abrir mão. Tem clube que não fecha o ano sem isso, é seu ativo. Mas o investimento depende da convicção da diretoria.