Oscar, a vã relevância
Arnaldo Bloch
Arnaldo Bloch
Comentei com um amigo americano a piada pronta que era o fato de um filme chamado "A quiet place" ("Um lugar silencioso") " do qual ele me havia falado " concorrer logo ao Oscar de melhor som! No bate-papo de voz no WhatsApp, ele ignorou o trocadilho, fez uma sonoplastia de quem vai vomitar e disparou:
" Oscar? Você disse Oscar? Who gives a f....?
Não era uma bravata anti-imperialista. Meu amigo americano é conservador, investe em stock market, gosta de música "de qualidade" e recicla seu plástico e suas latas. O que dá a medida da queda de prestígio que a festa vem sofrendo.
Muito mais afeito a palmas de ouro e a ursos de prata, sempre fui blasé em relação ao boneco "estadunidense", como dizem, com razão, os godardianamente corretos. Cheguei a escrever, certa vez, num blog, que o Oscar era irrelevante.
Mas, à medida que vai chegando a premiação, sou tomado por um surto terceiro-mundista datado, que me obriga a mover mundos (e, principalmente, fundos) para acompanhar o show. E se, a cada ano, a festa vai piorando, minha assiduidade vai crescendo. Esse ano, bati meu recorde: dos oito indicados a melhor filme, assisti aos oito. Nas principais categorias, 90%. No balanço final, compareci a 18 sessões da lista até o domingo passado.
Ainda calhou de estar, novembro, em Nova York, perto de um cineminha onde passava TUDO o que era importante. Não só para a Academia, mas para Cannes, Berlim, Veneza, Sundance, streaming, independente e até anticinema. Foi assim que vi filmes com grandes chances de jamais chegarem aqui, como o sueco "Border", sobre os mitológicos trolls, em pegada ultrarrealista (acredite). Concorre a melhor maquiagem. Merecia mais.
Agora, já posso chutar apostas com o devido, ou indevido, conhecimento de causa! Ou de calça, considerando o tempo que fiquei sentado, a quantidade de pipoca que consumi (num cálculo sério e moderado, 35 mil calorias) e o número de vezes em que cocei o bolso, inclusive em dólares.
Se fizesse parte da Academia, meu voto iria para um filme que não está concorrendo, "A mula", o novo Clint Eastwood, que estreou semana passada. Ok, agora sem gracinhas: claro que "Roma" é o rei, não dá nem pra ser do contra. No pódio de atriz, fico com a triste e sonsa rainha encarnada por Olivia Colman (em "A favorita") sem piscar. Ator, em 2018, foi o Van Gogh de Dafoe, absoluto.
Na direção, nem Spike Lee nem Cuarón: premiaria Pawlikowski, o polonês de "Guerra Fria". Mas não vai rolar. Ele que se contente com melhor filme estrangeiro. Embora, ali, eu preferisse o japonês "Shoplifters", ouro em Cannes, que, em português, se chama... ah, deixa pra lá. Who gives a..., diria meu amigo americano.
Se o Oscar quiser investir em relevância, deveria mudar o roteiro da noite e dar um prêmio de conjunto da obra a Bruno Ganz, que morreu no fim de semana. Sempre contornando o eixo hollywoodiano, o suíço era da raríssima espécie dos atores-criadores, cujo trabalho, além da representação, abre várias camadas de discurso fora da obra em si. Sem Ganz, o mundo, e seus horrores, perdem um de seus anjos mais ativos. Que ele nos guarde, na altitude, contra a platitude.