Jueves, 28 de Marzo de 2024

Os direitos do ‘homem de bem’

BrasilO Globo, Brasil 18 de junio de 2019

Arnaldo Bloch

Arnaldo Bloch
Até recentemente, a expressão "homem de bem" variava de acordo com a subjetividade dos juízos, a consciência de cada um, os códigos morais/éticos vigentes nos grupamentos humanos, e a Lei. De repente, às vésperas de 2020, "homem de bem" virou um desígnio divino outorgado por políticos que creem representar Deus na Terra.
Assim, para ser incluído no rol dos "homens de bem", basta seguir os messias facilitadores e os "coachs" da virtude, sem questioná-los. Reconhecido na condição de "homem de bem", o cidadão ungido passa a ter direitos inalienáveis que, mesmo ilegais, já considera adquiridos, à espera de decretos, sanções e transgressões do líder.
Se houvesse uma declaração dos direitos do "homem de bem" segundo os novos paradigmas, o primeiro artigo diria que este só tem direitos, não deveres. E que ninguém está acima da Lei... exceto o "homem de bem". Ele pode, e deve, burlá-la em nome do bem comum dos demais "homens de bem", e assim por diante.
Nesta cruzada, "homem de bem" tem poder. Tem corpo fechado. Imune a pardais, é um perito no volante que pode meter o pé na tábua com criança no colo. Pois "homem de bem" não fuma, não bebe, não cheira, e, caso o faça, estará sempre no melhor de suas faculdades. Afinal, "homem de bem", diriam, não erra e, se erra, está certo. Logo, se atropela, foi a vítima que pediu para bater.
Na mão de "homem de bem", pistola é flor. Munição, Bala Garoto. Garoto, atirador de berço. "Homem de bem", até prova em contrário, tem licença para matar inocente com 80 tiros. "Homem de bem" pode minerar em terra alheia e grilar reserva indígena, mas sua propriedade é sagrada. Quem puser o pé pode levar chumbo sem presunção de ilicitude.
"Homem de bem" da pátria amada pesca em santuário ecológico e, se vier fiscal, é treta. Preservar para quê? Para quem? Homem de bem, consta, acha que aquecimento global e extinção de espécies é mistificação de pelados e peludas. "Homem de bem", diriam os novos estatutos, está isento de fiscalização de trabalho escravo e pode empregar grávidas em condições insalubres.
"Homem de bem" acha que bandido bom é bandido morto, desde que não seja ele o bandido. Se for ele, "homem de bem" teve motivos, passava por momento difícil, ou agiu em legítima defesa, em nome da bravura miliciana ou da heterossexualidade encampada.
À parte os "homens de bem", a teologia vigente diz que todos os homens são comunistas, esquerdopatas, ativistas da ideologia de gênero ou trombeteiros do marxismo cultural. "Homem de bem" quando vaza, o conteúdo é indício de crime do vazado. "Homem de bem" quando é vazado, o conteúdo é indício de crime de quem vazou.
"Homem de bem" do céu de anil tem como anticristo o Paulo Freire. Pensa que Harvard é decadente. Mas na calada da noite, nos suores do recalque, "homem de bem" produz um falso certificado de doutorado em Harvard. Na verdade, libertarista anti-iluminista populista messianista, "homem de bem" formou-se bacharel numa faculdade privada mas há coisas (opa) que ele jamais entenderá ou aceitará. Como, por exemplo, a existência de uma eventual invariabilidade do verbo haver...
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