Viernes, 29 de Marzo de 2024

O preconceito do bem

BrasilO Globo, Brasil 23 de enero de 2020

Cora Rónai

Cora Rónai
Não me lembro de jamais ter chamado alguém de nazista. É uma palavra que me assusta, e que acho perigoso normalizar; se todo mundo é "nazista", ninguém será nazista. Isso aconteceu com fascista, outra palavra perigosa, já inteiramente desgastada porque, para a esquerda, todo mundo que não é de esquerda é "fascista". Hoje, quando tanto precisamos dela, não presta mais, virou um clichê idiota.
Mas na semana passada, quando vi o vídeo do ex-secretário de Cultura, tive que abrir uma exceção. Ali não se tratava de qualificar uma pessoa, mas de descrevê-la: aquele cenário, aquela entonação, aquela trilha sonora. O significado daquelas palavras. Eu ainda não sabia que haviam sido literalmente copiadas de Goebbels, mas era impossível não notar de onde vinham.
Aquele foi o vídeo mais assustador já produzido por um governo especializado em vídeos assustadores, a postagem mais escabrosa de um governo que já conseguiu a proeza de levar o golden shower aos trending topics e à conversa corriqueira das famílias.
A demissão do secretário não resolve a questão porque, infelizmente, ele não caiu por ser nazista. Ao contrário, ele foi contratado por pensar como nazista, e apenas caiu por ser burro, por subestimar a inteligência dos outros e não conseguir avaliar a repercussão do seu tenebroso teatro.
Em suma, ele não caiu por causa das suas ideias, mas apenas pela forma escancarada como as expôs. Se tivesse sido menos óbvio, ainda estaria no cargo. Para o presidente, ele era o primeiro secretário de cultura "de verdade" em décadas; independentemente de que rumo venha a tomar a secretaria, é a sua visão nacionalista e estreita de uma "Arte" com maiúsculas, definida em gabinetes e excludente de todas as demais, que orienta o governo.
______
Na esteira do vídeo nazista, uma quantidade assombrosa de antissemitas saiu do armário " e em todas as latitudes políticas. Até gente que se acha bacana e descolada, que luta contra o racismo e a homofobia, que professa amor e promete não soltar a mão de ninguém, não hesitou em usar os argumentos que, há séculos, servem de base para o extermínio "científico" " leia-se "perfeitamente justificado" " dos judeus.
Assim como não costumo chamar pessoas de nazistas, evito qualificá-las como antissemitas; taí outra palavra perigosa. Prefiro sempre imaginar que não sabem o que é o judaísmo, e que nunca sequer encontraram um judeu na vida. Mas tenho raízes escaldadas, não sou cega e não posso fazer de conta que não está acontecendo nada.
A "comunidade judaica" é apontada como responsável pela eleição de Bolsonaro por uma esquerda que ignora que simplesmente não existe isso, "comunidade judaica". Segundo o último censo, há cerca de 108 mil judeus no país: todos pessoas diferentes uma da outra, com CPFs diferentes e diferentes convicções " inclusive religiosas. Na malfadada noite em que Bolsonaro foi recebido na Hebraica, em Laranjeiras, havia mais judeus protestando no lado de fora do que dando apoio do lado de dentro " mas esses, convenientemente, não são lembrados, assim como é esquecido o fato de que o então candidato só falou no Rio porque foi barrado em São Paulo.
As redes sociais deixaram claro, essa semana, o que todos nós já sabíamos: de todos os preconceitos, o antissemitismo ainda é aquele do qual ninguém se envergonha.
La Nación Argentina O Globo Brasil El Mercurio Chile
El Tiempo Colombia La Nación Costa Rica La Prensa Gráfica El Salvador
El Universal México El Comercio Perú El Nuevo Dia Puerto Rico
Listin Diario República
Dominicana
El País Uruguay El Nacional Venezuela