Jueves, 25 de Abril de 2024

‘Não tem mais passo para trás, só para frente’

BrasilO Globo, Brasil 21 de septiembre de 2020

Entrevista

Entrevista
A imagem de três mulheres, lado a lado, em cargos de comando na CBF já se tornou histórica desde 2 de setembro. Agora, Aline Pellegrino e Duda Luizelli, que posaram junto à técnica Pia Sundhage, têm a missão de avançar na consolidação do futebol feminino no Brasil. Ainda pisando delicadamente em terreno dominado por homens, elas se cercam do máximo de informações e se fiam nas experiências profissionais como atletas e gestoras para dar o empurrão que falta à categoria no país. Evitam promessas grandiosas, explicam que cada passo será fundamentado e bem planejado e pedem para esquecer essa busca insana de igualdade total com o masculino, que vive outra realidade. Mas também avisam que não estão nessa para brincadeira: dizem ter certeza que daqui para frente não há mais volta, não há como o feminino dar um passo para trás.
Qual é a meta a curto prazo na coordenação de competições, um cargo novo?
Aline: É difícil traçar meta a curto prazo justamente porque esse cargo é novo. É mapear, entender as premissas com as quais as competições femininas foram desenvolvidas, o porquê dos formatos. É um período bom para isso, para pensar para frente.
Qual o impacto da pandemia no futebol feminino?
Aline: Nesse momento, o mais importante é cumprir as competições. A Série A1 já retomou e bem. Temos a Série A2 para voltar daqui a um mês. Pensando em 2020, é entregar as competições e mostrar para o mundo do futebol que o feminino tem maturidade suficiente para manter suas competições num momento crítico para toda a cadeia do futebol.
Do que a seleção precisa para elevar o patamar?
Duda: O que falta para fazer um Brasil forte é planejamento. Pelo menos de dois em dois anos, tanto para categoria de base quanto para a adulta. O próximo passo é organizar um calendário com jogos na Europa, nos Estados Unidos, em locais onde possamos dar experiência, principalmente, para as meninas menores. A partir disso, acredito que em três, quatro anos, o Brasil vai ser muito forte em todas as categorias. E, quem sabe, criar a sub-15.
Qual o peso de uma base forte para não termos hiatos entre gerações?
Aline: Muito das nossas batidas na trave, se tivéssemos uma base melhor, talvez o resultado seria diferente. Nossa primeira seleção de base tinha Marta e Cristiane. São jogadoras que ainda estão atuando e isso mostra que é possível ter jogadoras da base com ciclo longevo na seleção. Porém, se pensarmos lá atrás, elas começaram no Mundial do Canadá, sub-19, e logo depois foram para a Suécia e Alemanha. Aqui não tinha torneio de base. É importante que essas jogadoras vivam na base a caraterística do futebol brasileiro e tenham minutagem aqui dentro. Está entre os objetivos estruturar melhor a base.
Os clubes têm dinheiro para investir na base? Como a CBF pode ajudar?
Aline: Temos que pensar em governança. Todos precisam ter uma boa estrutura. Clubes, federações, confederação, porque daí qualquer mecanismo funciona. Se não estiver bem estruturado pode ter um baita programa que vai travar. Nesse momento, é preciso criar essa base sólida de governança. Hoje já temos as competições, a A1, a A2 e sub-18, todas no legado da Copa do Mundo. As equipes recebem valores como mandantes e visitantes. Podemos e devemos melhorar. O desenvolvimento do futebol feminino passa por um modelo de gestão esportiva. Primeiro pilar é injeção de investimento. O segundo, governança. Talvez tenhamos que colocá-los juntos.
Há clubes que usaram o dinheiro repassado pela CBF para auxílio ao feminino para pagamento de outras despesas, caso do Vitória-BA.
Aline: Faltou governança, alinhamento. Mas não podemos apontar pois estamos de fora. Não podemos atropelar a federação e o clube e nos meter na gestão dele. O que fazemos como confederação é mostrar que temos um modelo, que é um caminho. Respeitando a realidade de cada um, vamos trabalhar para ser resolvido e entender o que aconteceu. Foi o caso do Vitória. Não dá para achar que todos os clubes serão iguais. Temos que entender essa diferença. Se a minha realidade é encher a pitchulinha de 200ml, enche; se a do outro for encher garrafa de 3 litros, enche. Faça o melhor dentro da sua realidade. Se cada um fizer, a gente vai avançar.
Teme não ter o mesmo desempenho que teve na Federação Paulista? (Na FPF, Aline implementou um modelo de sucesso, da base ao profissional)
Aline: Não tenho medo nenhum,pois não tem a ver com a Aline, mas com o desenvolvimento do futebol feminino. Não tem a ver com o meu sucesso. O presidente Rogério Caboclo (da CBF) está nos deixando muito à vontade, é um trabalho de longo prazo. Não tem por que a gente sair correndo a milhão e perder o fôlego daqui a pouco. Vamos caminhar com paciência, junto com a confederação. Cada degrau que avançar vai ser muito importante, se for um passo, podemos dizer que avançou.
Qual a importância de ter mulheres na gestão ?
Duda: Acima de tudo, a nossa experiência de atletas e, depois, de gestoras. Pensando em seleção brasileira, tem ainda o olhar de uma das melhores treinadoras de futebol feminino do mundo. Coube a nós estarmos aqui neste momento, representando milhares de mulheres. Mas o mais importante é saber que hoje existem mulheres capacitadas para levar o Brasil a ter grandes resultados. Nesse momento estamos à frente do projeto, mas tomara que, daqui pra frente, tenhamos mais mulheres com condições de estarem aqui.
Qual a dificuldade para formar gestoras no futebol?
Aline: Faço um paralelo com a minha formação. Tive bolsa na faculdade de Educação Física. Gostava de futebol, mas não queria ser jogadora. Eu só via homem ali! Fiz o curso de gestão da CBF indicada pelo Corinthians. Uma nova bolsa. Na Federação Paulista, iniciei uma pós-graduação de gestão de esporte, também com auxílio. Tive a oportunidade de participar do programa de liderança da Fifa, mais um programa... Olha o quanto esses mecanismos, se criados e se dadas as oportunidades, podem ajudar. A ausência de mulheres tem a ver com o espaço da mulher na sociedade.
Há uma meta de equidade total com o masculino?
Aline: Se a gente quer encher a garrafinha de guaraná não pode se preocupar com a de Coca-Cola. É tudo refrigerante, mas é Coca-Cola. Sei que é difícil entender já que estamos falando do mesmo esporte. O futebol feminino tem 40 anos de desenvolvimento. O masculino, mais de 100. E não sei se em algum momento a gente vai chegar a um ponto (de equidade). Hoje, definitivamente, são duas coisas 100% iguais e também 100% diferentes.
Demorou três meses para que a CBF colocasse alguém no cargo da Duda....
Duda: Só posso falar daqui para frente. Não sei o que realmente aconteceu. Aceitei esse convite após compromisso do presidente que disse que fará todo o possível para que o Brasil seja o melhor do mundo também no futebol feminino.
Vocês têm inveja da seleção e do modelo dos Estados Unidos?
Duda: Talvez elas é que devam ter inveja do Brasil por causa da equidade das diárias. Sem querer comparar, mas já comparando coisas boas... Essa é uma conquista enorme do Brasil que elas ainda não conseguiram.
Qual é o atual momento do futebol feminino do Brasil?
Aline: Se fosse traduzir em uma palavra: transformação.
A Copa da França teve um boom de audiência. É um caminho sem volta?
Aline: Tenho plena convicção de que não tem mais volta. Acho que a gente ultrapassou aquele degrau da volta. Ano passado, com o Mundial, isso ficou enraizado. Mas acredito que mesmo no final deste ano, com este cenário difícil, a gente vai ter resultados interessantes. Não tem mais essa história de um passo para frente e um passo para trás. Agora é só para frente.
O adiamento da Olimpíada acabou sendo positivo para a seleção brasileira?
Duda: A Pia acabou ganhando mais alguns encontros com as meninas, a possibilidade de conhecer melhor o futebol brasileiro. Ela tem visto jogos em algum lugar do Brasil todos os finais de semana. Tenho visto a intensidade do trabalho da comissão técnica que é 24 horas por dia. Então, acredito que tudo ajudará. Se era para ser assim... o Brasil ganhou tempo e chegará mais forte. Que bom, estamos felizes.
Aline Pellegrino e Duda Luizelli/ coordenadoras do futebol feminino
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