Sábado, 20 de Abril de 2024

‘A gente deveria ter uma política de apoio à mulher atleta’

BrasilO Globo, Brasil 18 de enero de 2021

Entrevista

Entrevista
A bicampeã olímpica Fabiana, de 35 anos, grávida de Asaf, previsto para abril, sonha com o abraço da mãe Maria do Carmo, de 64, no momento mais especial da sua vida. Não quer se imaginar parindo sem ela por perto. Porém, sabe que isso pode acontecer por causa da pandemia. A jogadora abriu mão das Olimpíadas de Tóquio, em julho, para realizar o sonho antigo.
Apaixonada por crianças, Fabiana conviveu por dez anos com uma batalha interna comum às mulheres, mas cruel às atletas: maternidade ou carreira? Viu amigas aumentarem a família, como Sheilla, e se perguntava qual seria o seu momento. Ironicamente, foi em Tóquio que tomou esta decisão. Sentia o gostinho olímpico pela quinta vez, atuando pelo Hisamitsu Springs, quando os Jogos foram adiados e tudo mudou.
Nesta entrevista, a jogadora, que não tem contrato com clube e que por isso paga sozinha o pré-natal, falou sobre a gravidez, solidão, racismo, Olimpíadas e questionou o abandono às atletas grávidas.
Quer parto normal?
A ideia é essa. Antes queria cesárea, pensando que seria mais prático. Depois fui ler e me aprofundar na questão e mudei de opinião.É muito importante para o bebê, em termos de desenvolvimento.
Você tem duas sobrinhas, então já tinha essa presença de crianças na família...
Na verdade, não. Há 20 anos meu irmão mora nos Estados Unidos. Minhas sobrinhas, a Gabriela (8 anos) e a Juliana (6) nasceram lá. Com rotina no clube e seleção, só conseguia fazer uma viagem por ano para ficar com elas. Na minha vida, nunca tive bebezinhos por perto.
Você sentia falta?
Me cobrei a vida inteira. Sempre fomos grudados. E o que mais me fez sofrer durante a carreira toda foi a distância. Quando voltava, um ano depois, minhas sobrinhas estavam completamente diferentes.
Quando via as companheiras de seleção com filhos ficava mais angustiada?
Sou apaixonada por criança e me imaginava naquelas cenas. Peguei a fase de várias mães. Paula Pequeno, Carol Albuquerque, Fabíola, Tandara. Todas levam seus filhos para Saquarema na concentração da seleção. E eu brincava muito com a criançada. Depois dos 26 anos, aquilo foi crescendo dentro de mim cada vez mais forte. Tipo assim: "Quero ter meu filho".
Tem dez anos esse mantra...
Não dava mais para esperar.
O fato da Sheilla, sua grande amiga, ter tido filhas em 2018 pegou mais ainda?
Não sei se é real ou não, mas parece que sim. Bateu o tal relógio biológico. Só pensava que queria ter meu bebê, aproveitar meu esposo e casamento e estar com a família. O Vinícius (de 28, diretor artístico e cantor) também é apaixonado por criança. A família dele tem trocentas. E estar com as filhas da Sheilla fez minha vontade aumentar sim. Afinal, a gente viveu tudo juntas, dividimos o quarto na seleção por toda a vida. Mas eu também tinha objetivos para cumprir antes.
Quais objetivos?
Eu queria muito jogar mais uma Olimpíada. No fundo, sempre tinha esse peso. Ser mãe ou ir para a Olimpíada? E tudo mudou, sem programação, com a pandemia e o adiamento dos Jogos. Pensei: "O quê? É agora!".
Você sentiu o gostinho de perto pois jogava no Japão...
Estava no Japão quando começou a especulação que os Jogos seriam adiados. Por mais que eu tenha me despedido da seleção em 2016 e voltado em 2019, essa meta eu sempre tive para mim. A cabeça é toda preparada para a Olimpíada. Mas acho que foi o melhor. Nem sei se temos condições de ter Olimpíada em 2021. Bateu uma tristeza... Que virou felicidade. Sempre quis ser mãe e estou realizando o sonho da minha vida. Não ia esperar mais um ano. Um ano na vida de um atleta é muita coisa, ainda mais para a mulher.
Você acha que a Olimpíada vai acontecer esse ano?
Acredito que sim, mas não sei qual a forma que vão adotar. O ideal seria "bolha", sem público ou com poucas pessoas mesmo. Os japoneses são muito certinhos e querem adiar de novo. Quando começou a pandemia, eu nem podia sair de casa. O clube mandava um carro me buscar para ir ao ginásio e voltar para casa. O povo já respirava a Olimpíada. Estava tudo prontinho, com antecedência. Estar no Japão era estar mergulhada nesse espírito. Foi um baque.
Como está sendo passar pela gravidez em plena pandemia?
Minha família é de Minas Gerais e a do meu esposo, de São Paulo. E desde o início da pandemia, quando já estava no Brasil, fiquei reclusa. O final do ano, sem meus pais, foi triste. E este é o momento em que gostaria de estar grudada. Mas eles são grupo de risco e ficam com medo de vir. Não sei quando e como poderemos nos ver de novo. Estão todos à minha volta, mas estou sozinha. Espero que até abril melhore. Já falei para a minha mãe que não consigo imaginar dar à luz ao meu filho sem ela a meu lado. Tenho esperança.
E você não volta a jogar mais?
Estou balançada. Quero voltar a jogar. Amo estar na quadra. Mas quando o bebê nascer eu não sei. Meu esposo viaja muito e eu não quero que os dois fiquem longe.
Você está sem clube e passa por essa fase tendo de pagar por tudo?
É isso que acontece com a mulher atleta. Não tenho contrato e pago tudo sozinha. Quando você engravida, nenhum clube tem interesse em fechar ou te manter no elenco. A gente deveria ter uma política de apoio à mulher atleta. Os clubes e a CBV poderiam trabalhar essa questão. Qual time vai me querer, pagando o que mereço, após um ano parada para ser mãe? Sei que muitas mulheres são demitidas após a maternidade, outras conseguem manter seus salários mas a mãe atleta, na grande maioria das vezes, não.
Você apoiou a oposição na eleição para a presidência da CBV. O que achou do resultado que manteve Walter Pitombo?
Queria grande renovação. Mas o que me deixou mais triste foi ver que os atletas, que votaram de forma maciça na oposição, na verdade, não têm voz . Federações, algumas sem envolvimento de fato com o esporte, tiveram voto com peso seis vezes maior do que de campeões olímpicos. Algo está errado.
De uns tempos para cá, você passou a se posicionar de forma mais contundente via redes sociais. O momento é esse, de se posicionar?
Sim, o momento é esse. Em 2015, quando fui chamada de "macaca" por um torcedor de Minas, na frente dos meus pais que assistiam ao jogo, resolvi que ia me posicionar a partir dali. Porque os atletas são incentivados a não falar nada, para não prejudicar time e patrocinador. Combater o racismo foi o que mais me motivou. Senti muitas vezes um tratamento diferente. Era a melhor em quadra, capitã do time, mas as entrevistas para a televisão não eram comigo.
Fabiana/ jogadora de vôlei
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