Por que a huawei escapou do aperto regulatório chinês?
A ofensiva regulatória deflagrada pelo governo chinês contra o setor de tecnologia atingiu algumas ...
A ofensiva regulatória deflagrada pelo governo chinês contra o setor de tecnologia atingiu algumas das empresas mais poderosas e lucrativas do país, como a Alibaba (comércio eletrônico), a Tencent (internet) e a DiDi (o "Uber chinês"). Mas se é a segurança um dos principais motivos do aperto (embora não o único), por que a Huawei, a empresa chinesa que mais desperta preocupações com a segurança em outros países, escapou ilesa? É questão que intriga os especialistas que acompanham com lupa os movimentos recentes do governo chinês na regulação do ciberespaço.
" Isso também me deixou superconfusa " diz Kendra Schaefer, diretora de Pesquisa em Tecnologia da consultoria Trivium China.
É inevitável supor que haja uma dimensão geopolítica nos cálculos do governo chinês. A Huawei está no centro da disputa entre a China e os EUA, e Pequim estaria dando um tiro no pé se incluísse a empresa na lista dos gigantes tecnológicos que oferecem riscos à segurança dos dados, justamente a suspeita que paira em muitos governos, de Washington a Brasília. Mas há mais do que isso.
Segundo especialistas como Kendra, uma pista está na diferença estratégica para o Estado chinês entre a Huawei e outras fabricantes de equipamento e as empresas de internet na mira do aperto regulatório. As primeiras se enquadram no conceito de hard tech (tecnologia dura), enquanto as de internet são soft tech (tecnologia suave). O termo "tecnologia dura" foi proposto pelo investidor e especialista em ciências óticas Mi Lei para ressaltar a importância de dar prioridade a empresas que produzem inovação.
Nos últimos meses, os formuladores de políticas chineses têm afirmado que empresas como a Alibaba não são de inovação. É algo discutível para os especialistas, já que a empresa de Jack Ma investe pesadamente em laboratórios dedicados a novas tecnologias. De todo modo, a afirmação indica que as autoridades adotaram o conceito criado por Mi Lei ao estabelecer critérios sobre o que mais importa para o país. O presidente Xi Jinping vem enfatizado elementos como fundamentais para que a China avance em sua ambição de tornar-se uma "superpotência cibernética": investimento em inovação nativa e autossuficiência tecnológica.
Em entrevista recente, Mi Lei deixa claro que seu interesse em empresas de "tecnologia dura" (sua empresa investiu em mais de 300) vai além do conceitual ou financeiro. É questão de interesse nacional:
" O status de um país no mundo depende de seu poder duro " disse ele, que situa a diferença de importância entre hard tech e soft tech com uma analogia com o corpo humano. " Tecnologia pesada é osso, economia real é músculo, finanças são o sangue, economia virtual é gordura.
Para alcançar o crescimento econômico de alta qualidade previsto em seu 14º plano quinquenal, a indústria de tecnologia é essencial. No ano passado, segundo estatísticas oficiais, a economia digital foi responsável por 38% do PIB. A projeção é que chegue a 55% até 2025.
Os formuladores de políticas chineses alteraram na prática a base teórica da economia socialista, adicionando dados como um quinto fator de produção, ao lado dos que tradicionalmente formavam a criação de valor numa economia, terra, mão de obra, capital e tecnologia. Para economistas chineses, portanto, agora são cinco os fatores de produção.
A regulamentação do uso e comércio de dados exige categorização para que seja possível estabelecer um mercado funcional e eles possam circular na economia de modo a irrigar vários setores. Em 2020 o volume global de dados foi de 59 zettabytes, "quarenta vezes mais que o número de estrelas no universo", diz Kendra.
" O mercado de dados nem parece existir, não há regras sobre como vendê-los, como estabelecer preços, quais deles são seguros, além de ser um mercado dominado por monopólios. Não é um problema só da China. A diferença é que a China colocou todos esses elementos num raciocínio econômico.