Guerras de gangues, pobreza e direitos civis
PATRÍCIA KOGUT
PATRÍCIA KOGUT
Na primeira temporada, "Godfather of Harlem" abriu com seu anti-herói deixando Alcatraz depois de 11 anos. Bumpy Johnson (o maravilhoso Forest Whitaker, vencedor do Oscar) voltava para o bairro pobre no norte de Manhattan onde, antes de ser preso, comandava negócios ilícitos. Ele reencontrava a família e buscava se reinserir no jogo do crime local. Paralelamente, a trama enveredava pelas convulsões sociais que sacudiam os Estados Unidos dos anos 1960 (tem crítica no site). A segunda temporada chegará ao Star+ no próximo dia 15.
É uma ficção baseada em fatos reais. Bumpy Johnson existiu, assim como outras figuras da série: Malcolm X (Nigel Thatch), o político Adam Clayton Powell Jr. (Giancarlo Esposito), o lutador Cassius Clay (Deric Augustine) e o mafioso Vincent "Chin" Gigante (Vincent D’Onofrio). Quando a história recomeça, a Marcha pelos Direitos Civis passou, Kennedy foi assassinado e a relação de Malcolm X com a Nação do Islã já degringolou. Como todos esses acontecimentos importantes são fatos consumados, a narrativa aparentemente avançou. Mas não é bem assim. A dramaturgia volta, com sutileza, à estaca zero. Bumpy não está na cadeia, mas, acuado pela concorrência da máfia, de quem se tornou inimigo, vive escondido. Mandou a mulher e a filha para a casa de parentes. Atravessa vários meses de tristeza na clandestinidade.
Até que, cansado e com saudade das ruas, imagina um plano para reaver a liderança no tráfico de heroína. Procura os franceses responsáveis por embarcarem a droga de um porto na Córsega e propõe uma linha direta, sem a intermediação dos italianos. Mas, para realizar seu intento, precisa de um sócio branco. É assim que faz uma parceria improvável com Chin, antes seu arqui-inimigo. Os rearranjos na hierarquia da bandidagem refletem o racismo que permeava todas as relações. O público torce por Bumpy Johnson, mesmo sendo ele tão mau quanto os vilões italianos. É que, na segunda temporada, sua faceta benemerente ganha mais força.
O enredo destaca o racismo. Ações policiais violentíssimas no Harlem são retratadas. E Bumpy patrocina a reação a elas por grupos organizados no bairro. Além disso, sua mulher, Mayme (Ilfenesh Hadera), é ativista pelos direitos civis e trabalha no gabinete de Adam Clayton Powell Jr..
"Godfather of Harlem" é muito atual e faz pensar em tudo o que veio depois, sobretudo no movimento Black Lives Matter, mais recente. Muitos dos diálogos poderiam ser ditos hoje. No quinto episódio, ouvimos Lyndon Johnson discursando: "Falo do esforço dos negros para garantir para si todas as bênçãos da vida americana. A causa deles precisa ser também a nossa causa. Porque não são somente os negros, mas todos nós que precisamos superar o paralisante legado do preconceito e da injustiça".
A reconstituição de época é suntuosa e carrega o espectador para aquele Harlem pobre e insular. Como se sabe, o bairro hoje é hypado, mas isso aconteceu recentemente. Os figurinos dos anos 1960 encantam. O elenco, cheio de talentos, é, no entanto, irregular. As presenças de estrelas nos papéis centrais " sobretudo Whitaker e D’Onofrio " compensam alguns desempenhos mais fracos. Porém, isso não chega a incomodar. O roteiro tem altos e baixos, mas, no geral, é convincente e consegue envolver.
A série não tem a dimensão de um "Sopranos", mas é bom entretenimento e merece a sua atenção.