Atletas desbravam novos interesses em busca de renda e realização
JORNADA DUPLA
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Nos últimos meses, Leticia Bufoni preparou uma marca de roupas e filmou parte de uma série documental que contará a sua história; Paulo André foi vice-campeão do Big Brother Brasil e fez trabalhos como modelo; Douglas Souza participou da "Dança dos Famosos" e se engajou na carreira de streamer; Key Alves começou a vender fotos sensuais em um site adulto; e Gabigol, que marcava presença em shows de trap, gravou suas primeiras músicas. Apesar de interesses diversos, eles têm algo em comum: são atletas de ponta em suas modalidades, que decidiram acoplar à rotina de treinos e competições uma segunda ocupação.
Especialistas em marketing esportivo e gestão de carreira ouvidos pelo GLOBO explicam que o envolvimento de atletas em outras atividades não é uma novidade. Mas que o fenômeno se tornou mais amplo e radical com o boom das redes sociais e a profissionalização dos influenciadores.
" Personalidades do esporte sempre foram figuras midiáticas. Com a explosão das redes sociais, desperta-se o desejo de mostrar um outro lado e de se conectar com o público de maneira mais ampla. Ninguém quer ficar num lugar só, e sim preencher vários espaços " destaca Felipe Soalheiro, diretor-geral da Effect Sports São Paulo.
O nível de engajamento de cada esportista com essa atividade paralela é produto de uma equação complexa, que envolve o grau de exigência das modalidades, a etapa e as perspectivas de carreira, além do potencial de faturamento com os novos trabalhos.
" É impossível conciliar duas profissões, porque o "influenciador raiz" tem demandas que precisam de investimento de tempo. Mas dar um tempo, um respiro durante a trajetória esportiva é possível e saudável " argumenta Danielle Carvalho von Schneider, sócia da Agência de Atletas, que tem em seu portfólio nomes como Rebeca Andrade , da ginástica, e Ana Marcela Cunha, da maratona aquática.
Danielle destaca ainda a preocupação crescente com a saúde mental e atividades que propiciem um relaxamento em meio à rotina de exigências e cobranças. Explica também que algumas modalidades, como o skate, por exemplo, exigem menos privações que outras, como a ginástica artística.
A empresária Alessandra Menga, que cuida da carreira de atletas como Bruninho e Lucão, do vôlei, enxerga com bons olhos as possibilidades que o mercado oferece, desde que elas não tomem o protagonismo do desempenho esportivo.
" Quando a segunda ocupação não interfere na primeira, que é a performance, eu acho superlegal e apoio. Mas um atleta de alto rendimento jamais falta a um treino ou deixa de participar de uma competição. Se vejo que a proposta de uma marca "bate" com o calendário, nem levo para o atleta, já declino " conta a fundadora e CEO da AMMA.
POTE DE OURO
Quando esses fatores se alinham, é a chance de faturar. Num país de incentivo limitado e remuneração tímida na maioria das modalidades, muitos atletas ganham com suas segundas tarefas um dinheiro que jamais receberiam com prêmios e patrocínios convencionais.
A líbero do Osasco Key Alves tem aproveitado ao máximo essas oportunidades. À vontade para compartilhar sua rotina nas redes, ela se tornou, aos 21 anos, a jogadora de vôlei mais acompanhada do mundo, com 2,3 milhões de seguidores. O sucesso nas redes fez com que ela contratasse empresários, assessores e agências de marketing para cuidar da jornada como influencer.
" Sou atleta profissional. Porém, as coisas fora de quadra cresceram muito para mim. Então, comecei a dar sim um pouco mais de atenção. Hoje em dia, os atletas estão querendo mais ir para este lado (de influenciadores), porque, querendo ou não, é onde se ganha dinheiro mais fácil. Eu jogo vôlei há 12 anos, e a gente rala para caramba " conta Key.
Recentemente, ela deu um novo passo: abriu uma conta no site Onlyfans, dedicado à venda de fotos e vídeos para o público adulto. Em seu perfil, a levantadora publica fotos sensuais de biquíni e lingerie. Já são mais de mil assinantes, que desembolsam 14 dólares (cerca de R$ 74) por mês para ter acesso ao conteúdo.
Com o Onlyfans e outros trabalhos como influenciadora, Key estima faturar até cinquenta vezes mais do que ganha mensalmente como atleta de vôlei.
Apesar do empenho na nova atividade, ela garante que trata o esporte como prioridade absoluta. Conta que recusou duas propostas para participar de reality shows, entre outras oportunidades de trabalho, para cumprir a agenda de treinos e jogos do Osasco. Mas admite que balançaria com um convite para integrar o BBB e argumenta que o movimento poderia ser importante para o próprio time, por trazer visibilidade.
" Ainda tem um pouco de preconceito (de o atleta se enveredar por outra área). Mas são poucas as pessoas que pensam assim. Esses trabalhos fazem a gente se distrair, se divertir. São momentos em que não estamos na pressão. E os treinadores e as pessoas que trabalham com o esporte deveriam começar a achar isso normal também. O atleta não é robô " afirma Key, que em 2017 viu um técnico pedir para que ela deletasse sua conta no Instagram. " Ele disse: "Exclui ou não joga". Eu não excluí. Tinha certeza de que um dia teria lucro com isso. E não dava motivos para falarem de mim. Era a primeira a chegar e a última a sair.
SEMENTES PLANTADAS
Hoje, Key não encontra a mesma resistência. Seu treinador no Osasco, Luizomar de Moura, diz que não vê problema na "jornada dupla". Entende que a carreira de atleta não oferece as mesmas possibilidades financeiras e concorda que a exposição de jogadoras nas redes pode até ajudar o clube a atrair patrocinadores e fãs.
" Ela me procurou para falar sobre isso (redes sociais) e explicou que também é uma fonte de renda. Essa é uma nova realidade. Contanto que sua dedicação a esta vertente não atrapalhe seus compromissos com o clube, tudo bem " pondera Luizomar. " Apenas pedimos cuidado com as marcas expostas por conta do clube. E tenho a preocupação de que ela não caia em armadilhas. Mas, até o momento, não precisei cobrá-la.
Não há, de fato, relatos de que esses atletas tenha faltado com seus clubes para abraçar projetos extras. E qualquer impacto sobre o desempenho deles é, por ora, um risco calculado.
" Atletas não são máquinas. Esse entendimento abriu uma janela de oportunidades para eles poderem parar e pensar na carreira e no que está por vir " resume Danielle Carvalho von Schneider. " É um pouco como plantar sementes de olho no que se quer ser.