‘Vamos ter uma selic de até 14,5% até o fim do ano que vem’
Entrevista
Entrevista
O ex-secretário do Tesouro e Orçamento Bruno Funchal avaliou que as medidas pensadas pelo governo Lula para conter as despesas obrigatórias estão na direção certa para dar sustentabilidade ao arcabouço fiscal. Mas a decisão de anunciar junto a ampliação da isenção do Imposto de Renda pode comprometer esse objetivo. Hoje CEO da Bradesco Asset, ele avalia que o governo pode fazer ajustes após avaliar as repercussões.
Como avalia o pacote apresentado pelo governo?
Tem um pacote de controle de gastos com várias coisas que vão na direção de cumprir o objetivo, que era trazer sustentabilidade para o arcabouço fiscal. Isso reduziria a percepção de risco, na minha visão. Só que acabou sendo um pacote no conceito mais amplo, que já traz o tema da reforma do Imposto de Renda. Temos visto uma reação de aumento de incerteza muito grande, e isso tem se refletido nos preços.
Por que maior incerteza?
Porque esse outro tema (IR) traz também uma carga fiscal, que foi apresentada como neutra, com compensação pela criação do Imposto de Renda mínimo. Qual é a percepção de risco fiscal? É que precisa da tramitação do projeto. O pacote de gastos pode ser reduzido, e a compensação pode ser reduzida ou pode nem ocorrer. Não é impossível, e tem até uma certa probabilidade de o Congresso não querer criar um imposto novo e querer fazer a revisão da tabela. E aí o que era para reduzir o risco fiscal aumenta o risco fiscal. Tudo que estava sendo feito para trazer sustentabilidade para o modelo fiscal pode acabar comprometendo esse objetivo. Tudo isso começou com a discussão da retomada do grau de investimento, depois do upgrade da Moody’s, pensando no que precisava ser feito para recuperar o grau de investimento. (A conclusão) foi fazer o arcabouço ser sustentável para estabilizar a dívida. O que está acontecendo agora é que está trazendo mais incerteza.
Então é sinal importante para o governo?
É, tem que trazer mais credibilidade, tem que reduzir o risco fiscal. E a pergunta é se o pacote todo reduz o risco fiscal. Acho que esse é o debate que a gente tem de fazer e analisar os prós e os contras.
O governo argumenta que a isenção do IR só vai acontecer se houver compensação. Não é suficiente?
Tem que bater nisso, e seria muito importante não só sair do governo, mas sair dos líderes do Congresso. Se observarmos um movimento de que só vai ter revisão de tabela com compensação, diminui muito a percepção de risco. A percepção hoje é que o Congresso vai ter dificuldade de criar imposto. E para reajustar a tabela não precisa de compensação, pode passar sozinho. O que fica é o risco fiscal de redução de receita por conta da revisão da tabela do IR. Estava-se esperando um pacote só de contenção de gasto e criou-se uma janela que traz um risco fiscal.
Mas ainda tem como reverter essa reação inicial negativa?
Sempre tem. Tem muita conversa, muita costura política. Tem que escutar as pessoas, com o mercado ou os técnicos em geral, com a academia. E ver qual foi a reação e fazer os ajustes. Tem várias pessoas boas de fora do governo que querem o melhor para o país.
Mas o risco atrelado à reforma do IR não está agora nas mãos do Congresso?
Já foi enviado o projeto? O governo gostaria de fazer ação fiscal para mostrar que consegue sustentar o arcabouço até o fim do mandato e gostaria de fazer o ajuste da tabela. É bem razoável focar primeiro no pacote e, dependendo do sucesso do pacote, começar a discutir a tabela. Precisa ter uma sustentabilidade fiscal para discutir algum outro risco fiscal. Acho que esse tipo de ajuste pode ser feito, pode ser discutido, pode ser redimensionado.
À parte o IR, o pacote de gastos é suficiente para dar sustentabilidade ao arcabouço e controlar a trajetória da dívida?
Seria suficiente para dar uma boa sinalização. Seria suficiente para a sustentabilidade do modelo fiscal até o final deste mandato, mas não é suficiente para estabilizar a dívida. Para estabilizar a dívida, precisa de bem mais. Mas estaria na direção correta. Dificilmente a gente teria um pacote grande o suficiente para estabilizar a dívida. É uma construção temporal. Mas, para um primeiro objetivo, que é entregar o déficit zero, traria mais tranquilidade. Teria essa percepção positiva.
Vai ser possível economizar R$ 70 bilhões em dois anos?
Talvez não seja esse efeito de R$ 70 bilhões, talvez um pouco menos. Se não for de R$ 70 bilhões, é de R$ 45 bilhões. Mas tem muito esforço que eu acho legal, talvez esse tenha sido todo o trabalho, de fato fazer esse pente-fino para ver onde pode contribuir, qual vai ter efeito.
Considerando o governo de esquerda, teoricamente com mais dificuldade de cortar gastos, esse resultado não é satisfatório?
É uma construção. O governo percebeu essa necessidade de pautar a discussão de gastos e que a gente teve um ganho muito grande de estar sempre discutindo a necessidade de ter controle fiscal.
O pacote é o choque fiscal positivo que o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, mencionou?
Os preços estão falando para a gente hoje que vamos ter uma Selic de 14%, 14,5% no fim do ano que vem. Tem uma questão de risco fiscal, de sustentabilidade da dívida. A revisão da tabela vai gerar alguma pressão inflacionária e vai fazer com que o Banco Central tenha que reagir, subindo os juros. E o BC já considera as expectativas. Então hoje está precificada já uma aceleração do passo do BC de alta de juros, para 0,75 pp. Isso prejudica até o próprio objetivo do Executivo. O Executivo quer fazer o reajuste na tabela porque teve inflação que comeu o poder de compra. Com isso, pode gerar inflação, que vai comer o benefício do ajuste da tabela.
Bruno Funchal / CEO da Bradesco Asset