‘Eu não sou uma mulher, eu sou um trator’
Entrevista
Entrevista
"Posso chamar a doutora Leila?" Foi com esta pergunta que a entrevista abaixo foi iniciada, em uma sala virtual, à distância. A doutora, para os funcionários da Crefisa, empresa de crédito pessoal, é Leila Pereira. Ou Tia Leila, para os torcedores do Palmeiras. Aos 57 anos, é presidente de ambos. Depois de chegar ao clube como patrocinadora máster, para alegria do marido José Roberto Lamacchia, ela entrou de sola no Clube do Bolinha como um trator. No Dia Internacional da Mulher, ela diz passar por cima do machismo: "Quem tem a caneta sou eu".
Como é ser a pessoa mais poderosa do futebol brasileiro recentemente?
Eu não me vejo como a mais poderosa. Eu fico extremamente orgulhosa de olhar para trás e ver de onde eu saí e aonde cheguei. Isso me deixa muito feliz, pois esse é um exemplo para todos. É uma responsabilidade muito grande estar à frente de um clube da grandeza do Palmeiras, representando milhões de torcedores. Eu não tenho dúvida de que eu vou exercer o mandato com todas as minhas forças, sabendo o que eu quero e o que é o melhor para o Palmeiras.
É verdade que seu pai, que era médico, queria que você fosse dona de casa?
Ele sempre se preocupou muito com a formação dos meus irmãos, direcionou a carreira deles para a medicina. Mas a minha, não. Ele nunca virou para mim e disse que queria que eu fosse dona de casa. Mas pela sua atitude, sim. Eu trilhei meu caminho, sempre quis trabalhar, ser independente. Hoje penso que ele não achava importante a mulher se aprimorar.
Você deixou Cabo Frio para fazer faculdade. Quem te apoiou nessas decisões?
Minha mãe nunca trabalhou fora (de casa). Mas sempre quis que eu trabalhasse. Ela fez faculdade de Letras, depois de casada e com filhos adultos.
Você é de família vascaína, mas a paixão pelo futebol surgiu em São Paulo. Por quê?
Dizem que eu tenho de colaborar com o Vasco porque sou vascaína... Meus irmãos eram vascaínos por causa do meu pai. Não sou vascaína. Não era nada até que conheci o meu marido (José Roberto Lamacchia, dono da Crefisa). Eu não nasci palmeirense, me tornei palmeirense. Mas tenho profundo respeito pelo torcedor do Vasco e por todos.
As cobranças como presidente são diferentes de quando era patrocinadora?
Nós oferecemos o patrocínio pela situação que o Palmeiras se encontrava. Em 2014, meu marido também passou uma situação muito difícil, teve um linfoma e se recuperou. Tive essa ideia e, em momento algum, eu pensei em retorno financeiro. Tenho certeza que a maioria da torcida reconhece isso. Mas, com a torcida organizada... Tomei posse no dia 15 de dezembro e já começaram a pressionar para contratação de jogadores. Mas, por experiência profissional, sei que nem tudo que eu quero é possível.
Não pensou em retorno financeiro mesmo?
A ideia foi minha. Atrás da empresária existe o ser humano, entendeu? Uma coisa é a Leila empresária. A outra, é a Leila pessoa. Em momento algum pensei em retorno financeiro.
Depois isso mudou, claro...
Naquele momento, não. Nunca tinha investido em futebol, como eu ia imaginar? Não houve planejamento de negócio. No momento em que divulgamos a parceria, nosso servidor (da Crefisa) não suportou a quantidade de acessos. Foi aí que pensei que o tiro tinha sido certeiro.
E o centroavante, vem?
Nós estamos em busca, mas bola de cristal ninguém tem. Então eu tenho que errar o menos possível. Jogador de alto nível é caríssimo, tem contrato de três, quatro anos. Eu tenho que ter responsabilidade financeira. O 9 não veio ainda não foi por motivos financeiros. Tentamos alguns que não foram liberados ou eram apostas.
Qual vai ser o investimento da sua gestão no futebol feminino?
Estamos em busca de parceiros para patrocinar o futebol feminino, para fortalecer ainda mais. Abriria mão das nossas marcas no uniforme feminino para que outra empresa viesse patrocinar, sem diminuir o valor do contrato. Para o futebol feminino ser cada vez melhor e maior nós precisamos de investimento.
Você ganhou o apelido de Tia Leila. Gosta?
A primeira pessoa que me chamou de Tia Leila foi meu enteado, que conheço desde pequeno. Acho que é uma forma carinhosa do torcedor se dirigir a mim. Futebol, acima de tudo, é entretenimento. Não pode perder a graça. Desde que não descambe para a falta de respeito, eu lido extremamente bem.
O que é o mais difícil para uma presidente mulher no ambiente do futebol?
Num meio muito masculino, as pessoas se sentem incomodadas por uma mulher com tanto poder dentro do Palmeiras. É pesadíssimo com relação à contratação de jogadores. Eu não sentia tanto isso quando eu era conselheira e patrocinadora. Eu aceito as críticas e sugestões, mas a decisão é minha. Aí é que entra o preconceito. Como pode uma mulher bater firme e dizer: "eu respeito a sua opinião, mas a caneta é minha"?
Você acha que a toda hora tem que provar que é competente?
Não, porque não perco tempo com isso. Eu sou uma mulher extremamente objetiva e obstinada. Eu não sou uma mulher, eu sou um trator. Eu vou passando por cima, não quero saber. Eu ouço as pessoas, tenho jogo de cintura, mas vou em frente contra tudo e contra todos.
Todas essas críticas são só pelo fato de ser mulher?
Foi só eu me tornar presidente para começarem a bater muito forte. Eu não tenho dúvida que é por ser mulher. Foi muito rápido. O campeonato nem tinha começado. Mas eu não me abalo. Sou a única presidente de um grande clube da América do Sul, e isso incomoda demais. Eu costumo dizer: "Eu não quero ter paz". O pessoal pensa: "Se eu tirar a paz da Leila, eu a desequilibro. Mas acham isso só porque sou mulher.
Quais comentários mais machistas você ouviu?
Você tem que ficar em casa lavando roupa... Eu respeito muito a minha mãe, que nunca trabalhou. Respeito a decisão de todas. Nós podemos ser donas de casa, piloto de automóvel, de avião, pilotar fogão... Ficam menosprezando dessa forma, sabe? E eu lavo roupa também. Eu sou presidente do Palmeiras e também lavo. Lavo, passo, cozinho. Cozinho não, pois não sei cozinhar (risos).
Você acha que representa bem as mulheres?
Eu acho que eu sou um exemplo para as meninas. Eu costumo pegar as meninas sócias do clube e falar: "Olha, você também pode ser presidente do Palmeiras como a Tia Leila. É só estudar, trabalhar bastante, saber o que quer". Tenho certeza absoluta que estamos extremamente felizes e representadas por toda essa construção. Por mais que batam e critiquem, eu fico cada vez mais forte.
Planeja seguir no futebol por muito tempo?
Eu costumo dizer que a minha trajetória vai ser grande no Palmeiras. Não vou sair de lá não, viu? Eu tenho mandato de três anos. Vou continuar trabalhando e gostaria de ser reeleita. Eu descobri que é muito importante, na vida da gente, descobrir onde é a nossa casa. Descobri, depois de muito tempo, que a minha casa é a Sociedade Esportiva Palmeiras. É lá que eu quero ficar o resto da minha vida.
Você acha que o respeito que conquistou é pelo dinheiro?
Com essa condição financeira, eu poderia muito bem estar no meu apartamento em Nova York, com a vida tranquila. Eu sei que as pessoas me respeitam pelo meu trabalho. Muitas pessoas me falaram: "Leila, você está louca? Vai encarar ser presidente do Palmeiras, vai acabar com a sua paz". Se eu continuasse com a minha vida normal, eu ia passar essa vida em brancas nuvens. Mas quando eu sair do Palmeiras, daqui a anos, as nossas netas, bisnetas, tataranetas vão dizer: "Existiu uma mulher na história do Palmeiras que fez a diferença". O Palmeiras vai eternizar o meu nome pelo trabalho que fiz. Depois que eu passar dessa vida, querendo ou não, eu estou na história do Palmeiras.
Leila Pereira / presidente do Palmeiras