Miércoles, 03 de Julio de 2024

Depois de um semestre de frustrações, o que podemos esperar?

BrasilO Globo, Brasil 1 de julio de 2024

No fim do ano passado, as expectativas para 2024 eram otimistas. Os analistas esperavam ...

No fim do ano passado, as expectativas para 2024 eram otimistas. Os analistas esperavam que os juros começassem a cair nos Estados Unidos e seguissem em trajetória de queda no Brasil. Com isso, a Bolsa decolaria e a renda variável retomaria seu apelo. Seis meses depois, não foi o que aconteceu. O ciclo de cortes da Selic parou (pelo menos por enquanto) mais cedo do que o esperado, a Bolsa acumula queda de 7,66% e a renda fixa continua sendo a classe mais rentável do país. A expectativa é que isso se mantenha no segundo semestre, a menos que haja mudanças significativas no âmbito fiscal brasileiro ou na economia americana.
No primeiro semestre, o CDI (taxa que acompanha de perto a Selic e é usada como indexador de muitos investimentos de renda fixa) vem entregando rentabilidade de 5,22% no ano. Até a velha poupança rendeu mais que a Bolsa, ao entregar rentabilidade de 3,4% no ano.
Olho no Fed
Segundo especialistas, há duas explicações principais para esse cenário.
A primeira é externa. No fim de 2023, os dados dos EUA mostravam a inflação entrando nos eixos. Com isso, o mercado passou a projetar que os juros americanos cairiam logo no começo do ano. Mas os indicadores do início de 2024 mostraram que a atividade ainda estava forte, o que traz pressão inflacionária. Com isso, as apostas de queda de juros por lá perderam força, e o mercado passou a projetar juros mais altos também no Brasil.
Isso acontece porque, uma vez que as taxas de juros americanas estão altas, o Brasil precisa mantê-las um pouco mais elevadas para que seus títulos consigam "competir" com os americanos. Com isso, os investidores se voltam para a renda fixa, deixando a Bolsa de lado.
O outro problema que ajudou a derrubar o Ibovespa é interno: o fiscal. Atualmente, o governo tem a meta de zerar o déficit em 2024 (ou seja, equiparar gastos e receitas). Cumprir esse objetivo seria um sinal de que a saúde financeira do país está em dia. Isso diminuiria a percepção de risco e, portanto, os prêmios exigidos para se investir no Brasil. Ou seja: com a percepção de que as contas públicas estão sob controle e a atividade em alta, mais investidores se sentiriam confortáveis para colocar seu dinheiro no Brasil.
Mas os sinais dados pelo governo apontam o contrário, na avaliação do mercado. Recentemente, o governo federal chegou a revisar sua projeção para o resultado primário deste ano, para um déficit ainda maior, de R$ 14,5 bilhões.
" No começo do ano, estávamos ligando tudo aos cortes do Fed (Federal Reserve, o BC americano). Ou seja, quando o Fed cortasse os juros por lá, isso teria um reflexo positivo no mercado local. Mas a inflação americana veio acima do esperado e isso não aconteceu " diz Ricardo Peretti, estrategista pessoa física do Santander. " A partir de abril, quando o governo começa a rever suas metas fiscais, a viabilidade do arcabouço começou a ficar mais questionável, e o cenário ficou mais difícil.
Segundo o especialista, tudo convergiu para que o mercado passasse a apostar que os juros ficariam acima do esperado no Brasil, como de fato aconteceu. Após sinalizar maior preocupação com a inflação, o Banco Central decidiu, em 19 de junho, pausar os cortes de juros.
" No cenário atual, não vemos espaço para corte de juros até o final do ano que vem " afirma Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP. " O recado (da última reunião do BC) foi: não precisamos subir juros nem cortar.
Mantendo-se esse cenário, a renda fixa continua tendo apelo.
Acenos do governo
É bem verdade que, mesmo com juros altos, a Bolsa americana conseguiu entregar resultados positivos em 2024, o que não ocorreu por aqui. Mas, segundo especialistas, isso foi puxado por um único setor: o de tecnologia.
" O índice S&P, por exemplo, tem 40% de sua composição em tecnologia. E até mesmo quando olhamos mercados emergentes, o melhor neste ano é Taiwan, e o segmento de tecnologia é 60% do índice lá. No Brasil, é 1%. Então, não tínhamos essas tendências que o mercado procurou " explica Daniel Gewehr, estrategista-chefe de ações do Brasil e América Latina do Itaú BBA.
Ferreira, da XP, lembra que os bons desempenhos de Petrobras e Banco do Brasil foram decisivos para o Ibovespa fechar 2023 no azul, mas este ano as ações com bom desempenho têm pouco peso no índice:
" Temos imobiliário voltado para baixa renda, que está indo muito bem. Mas no índice a participação é pequena. Também temos ações de commodities, como os frigoríficos etc. Mas não sei se só elas conseguem puxar o Ibovespa, precisamos de outros setores.
Para que o cenário do segundo semestre seja diferente do primeiro (e que a Bolsa feche em alta), é preciso haver mudanças tanto na rota dos juros americanos quanto no âmbito fiscal brasileiro, segundo os analistas.
" Pelo menos por enquanto, o mercado entende que o BC fez uma pausa e que pode durar seis meses. Então, temos um horizonte de Selic em 10,5% até segunda ordem. E isso é o suficiente para deixar os investidores satisfeitos com renda fixa. Mas é claro que tudo depende de Fed, da eleição nos EUA, dos gastos públicos aqui e tudo mais " diz Peretti.
No âmbito fiscal, Ferreira acredita que deve haver "acenos positivos" por parte do governo, com medidas de controle de gastos. Ele questiona, no entanto, se as propostas serão suficientes, do ponto de vista do mercado, para melhorar a situação:
" Fernando Haddad, ministro da Fazenda, tem falado bastante sobre medidas de tentativa de controle e combate a fraudes na Previdência, por exemplo " diz. " Mas às vezes o time da Fazenda solta uma ideia via imprensa, depois o presidente Lula diz que não vai fazer. Achamos que algo vem, a dúvida é se o mercado vai comprar aquele plano como crível ou não. Se vai conseguir agradar aos economistas de que existe uma vontade de controlar o Orçamento via gastos e não via arrecadação.
Mas isso não significa que tudo está perdido para quem quer investir em Bolsa. A máxima de que "a Bolsa brasileira está barata" pode parecer batida, mas é verdadeira. No entanto, é preciso escolher bem. Gewehr, do Itaú, vê setores interessantes, com destaque para o elétrico, de portos e de shoppings centers.
Já Peretti tem uma visão mais conservadora:
" O que temos tentado fazer é diminuir risco dos portfólios e colocar empresas que, no longo prazo, conseguiram ter resultados bons. Olhamos companhias que tendem a manter uma participação de mercado estável ou em crescimento e que, mesmo assim, entregam retorno para o acionista.
Ele cita Totvs, RaiaDrogasil, Vivo e TIM.
Voltado para fora
Com o cenário aqui conturbado, há quem planeje investir lá fora. Afinal, nos últimos anos, isso ficou mais fácil, com opções como BDRs (papéis negociados na Bolsa brasileira que espelham ações listadas no exterior), ETFs (fundos que acompanham índices acionários) ou por meio de corretoras especializadas em investimento no exterior.
Segundo especialistas, a estratégia pode valer a pena, desde que não seja de curto prazo.
" Nos próximos anos, é inegável pensar que as teses mais disruptivas de mercado, como foi agora com a inteligência artificial, devem vir do mercado internacional. Então é interessante ter alocação lá fora " diz Peretti.
Seja como for, é unanimidade entre os especialistas que o cenário depende de muitas variáveis para haver mudanças no segundo semestre. É preciso ficar de olho nos desdobramentos fiscais no Brasil e nos indicadores, especialmente de inflação, nos EUA.
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