Tesouro direto fica escondido nos aplicativos dos ‘bancões’
Os títulos públicos negociados na plataforma do Tesouro Direto são considerados alguns dos ...
Os títulos públicos negociados na plataforma do Tesouro Direto são considerados alguns dos ativos mais seguros para se investir. E acabam sendo a principal recomendação de planejadores financeiros para quem quer sair da poupança ou começar a investir. E, com os juros elevados " a Selic hoje está em 11,25% ao ano ", esses títulos estão no radar de diferentes perfis de investidores.
O problema é que investir nesses papéis por conta própria nem sempre é algo intuitivo ou fácil, o que pode explicar o fato de que, mesmo com mais de 20 anos de existência, o sistema do Tesouro Direto atraiu apenas 2,7 milhões de investidores, menos do que os Certificados de Depósito Bancário (CDB).
Nos aplicativos dos três maiores bancos privados (Itaú, Bradesco e Santander), o Valor Investe constatou que os títulos do Tesouro Direto não aparecem com grande destaque e geralmente ocupam as últimas posições da lista de investimentos ofertados.
Segundo especialistas, isso pode ser explicado pelo pouco retorno que esses produtos dão às instituições que os oferecem. Afinal, não há cobrança de taxa de corretagem ou custódia pelo investimento e o ativo ainda "compete" com outros produtos bancários, como CDBs, fundos de investimentos em renda fixa e a própria poupança.
As instituições financeiras negam que o baixo retorno a elas explique a posição sem destaque do Tesouro Direito nos aplicativos. Garantem que a disposição dos investimentos oferecidos varia conforme a movimentação do mercado, e de acordo com a carteira e perfil de cada cliente.
Segundo especialistas, a dificuldade de achar o Tesouro Direto nos apps pode até levar um cliente a desistir.
" Já é uma batalha interna para o investidor inseguro pensar em colocar o dinheiro em um produto que conhece pouco. Se ele encontra obstáculos no caminho, vai ter mais uma justificativa para desistir " diz Vera Rita Mello Ferreira, consultora, palestrante e professora de psicologia econômica, finanças comportamentais e educação financeira.
O Valor Investe testou o aplicativo desses três bancos. No caso do Itaú, dos 15 produtos ofertados na aba de investimentos, o Tesouro Direto apareceu em décimo. Ao acessar a seção Investimentos, o cliente se depara imediatamente com produtos do próprio Itaú ou de parceiros. Em seguida, fundos de investimentos e CDBs. A poupança vem por último.
Já no Bradesco, o Tesouro Direto aparece como a 39ª opção. Na seção Investimentos, os ativos de renda fixa já surgem como uma opção. O problema é que, ao abrir a tela desses ativos, os títulos públicos são a última opção. Eles só aparecem após o investidor rolar muitos CDBs, Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) e poupança. Mas há a opção de digitar o que se procura, no topo da página.
No Santander, os títulos públicos vêm em 10º em uma lista de 11 opções. Ao clicar no menu Investimentos, surge a opção Começar a Investir. O app abre então uma nova tela, que exibe a "prateleira" de produtos, com os títulos do Tesouro Direto na penúltima posição, à frente apenas dos fundos de índices (ETFs, na sigla em inglês). Antes vêm CDBs, Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), LCAs, fundos, ações e até Certificados de Operações Estruturadas (COEs), que são produtos complexos. Já a poupança aparece logo no menu inicial do Santander.
É importante frisar que os bancos ressaltam que essas listas variam tanto conforme o cliente como com o tempo. Essas mudanças, dizem, dependem de diferentes fatores, desde o perfil do investidor até o momento do mercado, passando pela forma como o correntista usa o aplicativo.
O professor William Eid, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), avalia que a oferta de títulos públicos pelos bancos não gera tanto retorno às instituições financeiras. A maioria delas zerou a taxa de corretagem e custódia (valor cobrado pela instituição para "intermediar essa negociação").
" Eu não sei exatamente quanto o banco ganha com um título do Tesouro Direto, mas, quando ganha, é muito pouco. Existem muitos outros produtos que os bancos oferecem que dão mais dinheiro a eles " afirma Eid.
Outro fator são as campanhas onde os bancos priorizam a venda de determinados produtos, por algum tempo. São estabelecidas metas, e assessores e gerentes focam em um produto.
Alexandre Espírito Santo, coordenador de Economia e Finanças da ESPM e sócio da Way Investimentos, concorda que o Tesouro Direto é um produto de margem baixa para os bancos, mas afirma que os títulos públicos não deveriam competir com as demais opções da renda fixa. Isso porque se trata de um produto do governo, que tem funções sociais e financeiras para o país. Tanto que eles têm uma plataforma própria, o site do Tesouro:
" Os títulos do Tesouro são ativos excelentes, com ótimas rentabilidades e com teor social, se você olha o Tesouro Renda+ e o Tesouro Educa+" diz.
Para o coordenador-geral do Tesouro Direto, Paulo Moreira Marques, é natural que cada instituição financeira tenha sua estratégia de distribuição de produtos. Mas ele admite que essa "falta de propaganda" pode dificultar que o papel chegue a mais pessoas.
" As pessoas não precisam investir no Tesouro Direto, mas elas têm que conhecer, saber que existe, como funcionam os títulos, qual é a remuneração deles.
A estratégia do Tesouro para popularizar os títulos foi investir em seu próprio site e na divulgação por redes sociais, vídeos e podcasts.
" Cada banco tem a sua própria estratégia. Então, o que cabe a nós é oferecer desde a simulação, a explicação de cada título, até o investimento em si " diz Marques, que cita ainda a possibilidade de investir no Tesouro Direto via Pix.
Segundo os bancos, não há um "desincentivo" ou uma ocultação proposital dos títulos públicos nos apps. Eles garantem que os títulos do Tesouro Direto são ativos de qualidade e importantes para os bancos, mesmo que suas vendas não tragam um retorno financeiro tão alto.
" A rentabilização do Tesouro para o banco está na fidelidade com o cliente. A gente quer ter um cliente bem atendido, bem servido. E, se ele tem uma carteira bem estruturada e com uma boa performance, ele tende a ser mais feliz e fiel com a gente " diz Arley Matos, estrategista de investimentos do Santander.
O superintendente de Produtos de Investimento do Itaú, Rogerio Calabria, também destaca a qualidade do Tesouro Direto.
" Além de simples, é barato e seguro. O que acontece é que temos mais de 1.400 produtos, então, o que a gente tem feito é trabalhar em comunicação e em personalização. Não dificultamos o acesso aos títulos públicos.
Em nota, o Bradesco ressalta que o destaque ao Tesouro Direto é dado no aplicativo da sua corretora, a Ágora.
"As opções do Tesouro Direto possuem atributos como simplicidade, baixo risco de crédito e alta liquidez (...). Promovemos comunicações de marketing do produto direcionadas para esse público."