Os impactos do calendário inchado no futebol brasileiro, que baterá o próprio recorde
Sem respiro
Sem respiro
Em La Paz, onde estreou na Libertadores, contra o Strongest-BOL, o Bahia disputou seu 12º jogo em 2025. Uma maratona que durou, até agora, 41 dias. Espécie de irmão mais rico dos baianos, o Manchester City-ING levou um mês a mais para chegar ao mesmo número de partidas na temporada 2024/25. Na anterior, ninguém jogou tanto quanto ele na Europa: 59 vezes. Agora, sofre com lesões e uma queda vertiginosa de performance. Para o tricolor de Rogério Ceni, a perspectiva é ainda mais desafiadora: pode chegar a 89 duelos no ano.
A comparação entre os clubes do Grupo City é didática. Mas um dado que viralizou no fim do ano passado escancara ainda mais a realidade brasileira. A plataforma de estatísticas Sofascore divulgou a lista dos clubes que mais atuaram no mundo em 2024. O Botafogo lidera, com 75 partidas, e os clubes da Série A nacional monopolizam as 19 primeiras posições. A exceção é o Criciúma, que aparece logo em seguida, em 21º, com 60.
Em 2025, alguns deles podem jogar ainda mais. A dupla Bahia e Vitória, que fará no mínimo 58 partidas, pode chegar a 89. O Botafogo, que não jogará menos do que 63 vezes, tem a possibilidade de atingir 86. São duas a mais do que o máximo de Flamengo e Palmeiras e três em relação a Fluminense e Fortaleza.
A explicação está na estreia do Mundial de Clubes, que contará com os quatro últimos campeões da Libertadores; e na presença de três nordestinos, que já disputam a copa regional, nas competições continentais. Não há dúvidas de que os brasileiros seguirão como os que mais jogam no mundo em 2025.
Pré-temporada encolheu
Logo no começo do ano, eles já se depararam com a primeira consequência: a pré-temporada reduzida a um período de sete a dez dias. Para trabalhar num cenário desses, os clubes precisaram improvisar soluções. E uma delas foi fazer dos Estaduais parte desta preparação. Seja adiando a estreia do elenco principal para dar a ele mais dias, seja revezando o uso dos jogadores ao longo do torneio. Enquanto o que joga ganha ritmo, o preservado faz um trabalho voltado ao fortalecimento físico.
" Estes jogos fazem parte do condicionamento. O atleta se condiciona jogando. Ele trabalha não só para o jogo, mas também através dele " explica Diogo Linhares, preparador físico do Flamengo.
No rubro-negro, o técnico Filipe Luís não esconde (nas escalações e nas palavras) que adotou este lema. Suas decisões são tomadas com base numa série de dados passados pelo departamento de ciência e performance do rubro-negro. Os atletas são monitorados em diversos aspectos, como recuperação pós-partidas e entre treinos, desgaste muscular, qualidade do sono e da alimentação e nível de hidratação.
" Temos feito esse trabalho desde o primeiro treinamento. A comissão técnica já estava atenta a esse calendário. Nossa preocupação é dar a melhor condição ao maior número de atletas para que possamos tê-los à disposição em todo o ano. Então você pode ver, ao longo do Carioca, o foco tanto do Diogo (Linhares) quanto do Filipe (LuÍs) em estarem alinhados na carga de trabalho de treino e jogo para ter uma distribuição homogênea dos atletas " afirma o fisiologista Cláudio Pavanelli, coordenador de ciência e performance. " Porque, daqui a pouco, começam a fase mais aguda do Estadual e as copas, em que todo jogo é classificatório. Aí, além do desgaste físico e metabólico, entra o emocional.
O início dessas competições e do Brasileiro representa o começo do período mais crítico para os clubes. É quando, além de as partidas naturalmente serem mais intensas, a frequência de viagens aumenta. Até por isso, cada vez mais os clubes têm recorrido aos voos fretados, que trazem mais conforto e reduzem o tempo fora de casa.
Para Caio Gilli, preparador físico do Vitória, o respiro estará na parada de quatro semanas programada para o meio do ano. O calendário prevê 15 dias de férias para os clubes que não disputarão o Mundial. E mais duas semanas de treinamento, um tempo de preparação maior até do que o do início do ano.
" Neste período, poderemos dar uma ênfase maior ao aspecto físico, porque o treinador já vai ter menos do componente técnico e tático para passar. O time já vai ter jogado de 35 a 40 jogos no ano " projeta o preparador, que comemora o fato de o rubro-negro baiano ter mantido a comissão técnica e boa parte do elenco do ano passado. " O simples fato de os jogadores já entenderem como o Tiago (Carpini, treinador do Vitória) quer que eles joguem e conhecerem a dinâmica do dia a dia do preparador físico já ajuda dentro do processo. Seria pior se fosse um trabalho novo, porque leva tempo para os atletas se adaptarem.
No começo do ano, o dever de casa de todas as comissões técnicas é se debruçar sobre o calendário e mapear todas as semanas do ano com dois jogos e aquelas com apenas um. E fazer, a partir dali, um planejamento do trabalho macro.
"Quando se tem a oportunidade de se jogar uma vez por semana, esta semana é aproveitada principalmente para equilibrar as cargas dos atletas. Ou seja, os que treinaram menos, por terem participado menos dos jogos, têm uma atenção especial para alguns tipos de treinamentos específicos. E dos que vieram jogando mais, enfatiza-se a recuperação " explica Adriano Lima, coordenador de fisiologia do Fortaleza.
No entanto, essas semanas são cada vez mais raras. Por isso, para além de todo investimento em um trabalho voltado a minimizar o desgaste " que leva não só a lesões, mas à queda de desempenho ", os clubes se veem obrigados a apostar em elencos maiores.
"É necessário para manter a performance em alto nível, para poder girar o time e manter o mesmo nível de rendimento, a mesma excelência de atuação " opina o CEO do Fortaleza, Marcelo Paz.
Divisão das férias
O excesso de jogos também aumentou a preocupação entre os jogadores com temas que envolvem sua integridade, como os gramados sintéticos e as partidas sob forte calor. Ao se verem cada vez mais sob risco, eles passaram a protestar abertamente. Outro tema que ligou o alerta entre a classe foi o fracionamento das férias em duas partes. Mas, em vez da manifestação pública, como ocorreu nas duas questões anteriores, tem atuado através do sindicato.
A Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf) já procurou os clubes e a própria CBF. Mas, até aqui, não recebeu nenhuma sinalização de que estão abertos a tratar do assunto. A argumentação é de que o calendário foi feito sem ouvir os jogadores e que é preciso diálogo para achar uma solução. O temor é de que o fracionamento se torne regra.
" Este ano (a justificativa) é o Mundial. Ano que vem pode ser outro. E para frente, o que será mais? " questiona o presidente da entidade, Jorge Borçato.