Serra gaúcha usa viveiros para testar uvas mais resistentes
Para buscar alternativas às mudanças climáticas, uma das grandes preocupações de ...
Para buscar alternativas às mudanças climáticas, uma das grandes preocupações de produtores mundiais de vinhos, um vinhedo experimental com cerca de 50 variedades de uvas trazidas da Europa foi criado pela Cooperativa Vinícola Garibaldi, na Serra Gaúcha. Em quatro hectares estão sendo cultivadas e testadas castas de diferentes países, como Geórgia, Ucrânia, Romênia, Grécia, Hungria, República Tcheca, Portugal, Itália e Espanha.
" Já temos quase 50 uvas testadas. Algumas se adaptaram bem, tiveram continuidade. O objetivo é entender qual o comportamento das variedades na nossa condição climática, de solo e de terroir como um todo. Queremos também saber qual a resistência dessas uvas frente às alterações climáticas que a gente vem enfrentando " explica o enólogo da Garibaldi, Ricardo Morari.
O projeto teve início em 2019. As mudas são fornecidas pela Vivai Cooperativi Rauscedo (VCR), da ltália. Cerca de 70% das uvas do projeto são brancas, já que a Garibaldi tem como foco a produção de espumantes. A vinícola fica no município com o mesmo nome, que é conhecido como a capital nacional do espumante.
Como cada fileira do vinhedo tem uma variedade diferente plantada, há um desafio extra no cultivo, já que as uvas possuem ciclos próprios de maturação:
" O vinhedo experimental exige muito cuidado, requer muito serviço. Imagine que são 50 variedades com características distintas. Existem as precoces, as tardias. Cada uma com uma brotação, um ciclo, uma maturação diferente. Temos que estar de olho todos os dias " revela o gerente de assistência técnica da cooperativa, Evandro Bosa.
Ele explica que algumas uvas são plantadas em formatos diferentes para que se possa avaliar como é o desempenho de cada uma delas:
" Isso permite analisarmos as diferenças em termos de produtividade em cada uma das duas " detalha.
O viveiro fica na propriedade de um dos cooperados, Vandelei Berra, no pequeno município de Santa Tereza, na Serra Gaúcha. Berra lembra que o vinhedo foi implantado sem conhecimento profundo das uvas empregadas:
" Fizemos o sistema sem conhecer as variedades, já que não são uvas com que costumamos trabalhar. Fomos implantando fileira por fileira. E tivemos de monitorar conforme a brotação. Só que, como o nosso clima é diferente dos países de origem, algumas linhas brotavam antes. A gente não tinha informação antecipada. Isso exige mais mão de obra na colheita " conta Berra.
Testes após a vindima
Além dos testes no vinhedo, são feitas outras avaliações na produção dos vinhos. As uvas são colhidas e levadas para a adega da Garibaldi, onde são vinificadas:
" Além dessa análise do ponto de vista agronômico, estudamos o potencial enológico de cada uma delas para futuramente termos produtos novos. Esses testes são feitos em diversas safras, já que nosso clima não é homogêneo, muda todos os anos. Como a história diz, cada safra é uma safra. São feitas microvinificações durante três, quatro anos, conforme a necessidade " conta Evandro Bosa.
Atualmente, 17 variedades oriundas do vinhedo experimental estão em processo de microvinificação. O enólogo Ricardo Morari detalha que são usados volumes pequenos de uvas, já que as produções são mínimas em comparação ao total produzido pela Garibaldi:
" É um desafio muito grande aplicar os protocolos de grandes volumes que de vinhos que produzimos também nesses experimentos com pequenas quantidades de uvas. Ao elaborar esses vinhos em diferentes safras, buscamos utilizar o mesmo tipo de levedura e a mesma nutrição para elas. Assim, a parte aromática não sofre nenhuma interferência e, no final, podemos identificar com mais precisão o perfil da variedade.
Uva Palava
O enólogo conta que os testes com uma uva do viveiro experimental tiveram resultado tão positivo que resultaram em um vinho que já está sendo comercializado, o Palava (lê-se Pálava).
" Uma das uvas que apresentou qualidade nos testes foi a Palava, da República Tcheca. Esse vinho surgiu no viveiro e começou a ser elaborado por microvinificações. Hoje, tornou-se um rótulo comercial e um sucesso de mercado " frisa Morari.
A variedade Palava tem origem tcheca e data da década de 1950. O vinho apresenta aromas de frutas como maçã verde, pêssego e nectarina, com notas de flores como rosas e jasmim. Bosa detalha que se trata de uma variedade rosé, com a qual é produzido um vinho branco. Ela é um cruzamento de duas variedades: a branca Müller Thurgaut e a rosada Gewürztraminer.
" Com os vinhos prontos, procuramos identificar alguma variedade já consolidada no mercado que mais se parece com aquela nova, para poder comunicar isso ao consumidor. Isso é importante porque, quando ele vai encontrar uma uva que ele ainda não conhece, consegue fazer um comparativo e ter ideia do que vai provar " explica Morari.
O Palava foi apresentado para o consumidor como um vinho descomplicado e refrescante, segundo André Luís Rech, gestor de comunicação da Garibaldi:
" Focamos nesse consumidor de vinho branco, para identificar o Palava como um vinho mais leve, aromático, refrescante. Ele pode ser descomplicado, ir para a beira da piscina, para a beira da praia.
Outra frente da Garibaldi vem do cultivo das chamadas uvas Piwi, termo que vem da palavra alemã "Pilzwiderstandsfähige", que significa resistente a doenças fúngicas. Essas uvas híbridas surgem de cruzamentos entre variedades viníferas e espécies americanas.
" No vinhedo experimental, estamos testando algumas variedades Piwi italianas, vindas da Vivai Cooperativi Rauscedo, como a Soreli e a Fleurtai. A gente está ainda avaliando, em algumas safras, o comportamento delas no campo e também a questão do potencial enológico. Ainda não temos um volume maior para torná-las comerciais " revela o enólogo Ricardo Morari.
Uma prática usada no vinhedo experimental da Garibaldi protegeu o solo durante a tragédia das enchentes do ano passado. Bosa conta que a cobertura vegetal evitou maiores danos.
" Plantamos no vinhedo um mix de ervas para fazer toda a recomposição do solo. A gente precisa sempre ter uma cobertura para evitar erosão. É tão importante que, nas enchentes do ano passado, tivemos muito poucos casos de perda de solo, já que grande parte dele tem cobertura " ensina.
Desafio climático
Vinicius Caliari, pesquisador em enologia da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), afirma que todos os países produtores de vinho estão vivenciando os efeitos negativos das mudanças climáticas:
" É algo bastante perceptível na Europa, onde são testadas novas variedades. A mudança climática está acontecendo de forma bastante rápida. Em algumas regiões tradicionais, como Bordeaux ou Borgonha, não é mais tão fácil a produção de uvas. No Brasil, não é diferente. Vemos uma migração para áreas mais frias e de altitude, justamente na viticultura tradicional.