Iniciativas buscam impulsionar número de treinadoras na elite
A Federação Internacional de Vôlei (FIVB) deu um passo importante para diminuir a desigualdade de ...
A Federação Internacional de Vôlei (FIVB) deu um passo importante para diminuir a desigualdade de gênero no âmbito de treinadores de seleções. Determinou que, a partir da Liga das Nações de 2026, todas as equipes femininas adultas tenham ao menos uma treinadora mulher na comissão técnica " vale também para toda a base. Ou seja, José Roberto Guimarães precisará escolher uma parceira para trabalhar ao seu lado já no ciclo de Los Angeles-2028.
" Temos de preparar essas mulheres para o futuro. Em todas as comissões técnicas das nossas categorias de base, temos pelo menos uma mulher assistente. Começa assim, como eu comecei, como assistente " comenta o treinador e coordenador de seleções femininas do Brasil, que trata como "questão de tempo" a virada que ampliará o espaço delas no cenário global.
Mas, para se avançar, têm sido necessárias iniciativas que aceleram a engrenagem. É que a realidade para essas profissionais ainda é muito desfavorável. Em Paris-2024, os Jogos da equidade de gênero entre os atletas, com 50% das vagas para homens e 50% para mulheres, apenas 13% de treinadores e assistentes eram do gênero feminino. Em Tóquio-2020, foram 11%.
No caso do Brasil, em Tóquio-2020 as treinadoras representavam 6,7% do total. Eram sete dentre 105, com destaque para a seleção feminina de futebol, que, além da técnica Pia Sundhage, tinha duas assistentes. Quase a metade do grupo.
Para Paris-2024, o crescimento foi tímido: 11 mulheres de 84 treinadores (13%). E foi um "caso isolado", a ginástica, que bombou essa estatística. A modalidade levou cinco treinadoras: três na rítmica, uma na artística e uma no trampolim.
" As mudanças são lentas, e é possível que a gente não veja 50% de treinadoras. Mas esse é um processo contínuo, e temos de seguir " declara Thatiana Freire, autora da tese de doutorado "Treinadoras em Alto Rendimento: mulheres em jogo, mulheres nos Jogos", pela Unicamp. " As camadas organizacionais e da sociedade são mais complexas mesmo, mas geram efeitos potentes. Iniciativas como a da FIVB reverberam. Mas é fato que todo o sistema tem de se movimentar.
BEM Preparadas
Segundo Thatiana, gerente de Esporte da Confederação de Esportes de Neve, o objetivo do estudo era fazer um levantamento de quem são as treinadoras brasileiras no alto rendimento ou a caminho dele, reconhecer suas barreiras e seus suportes no desenvolvimento profissional e exemplificar possíveis ações. O estudo foi feito em parceria com o Comitê Olímpico do Brasil (COB), com cerca de 300 treinadoras " a maioria do vôlei.
Os resultados mostram que não falta capacidade às mulheres. Exatamente para derrubar barreiras, elas são bem preparadas: 89% possuem curso de graduação e 67% têm pós. Entre os fatores que dificultam a entrada na carreira, 48% destacaram o preconceito de gênero e 43%, a falta de perspectiva. Treinadoras pretas ou pardas e não heterossexuais sentem mais essas "travas" (veja os dados na arte acima).
" A barreira maior é ser mulher. Elas não têm reconhecimento social como líderes " aponta Larissa Galatti, orientadora de Thatiana, que é a favor de ações como a do vôlei. " Programas de cota não são para proteger. São para olharmos para um grupo que não enxergávamos e que tem potencial. Possivelmente 100% de homens e mulheres que estiveram na Olimpíada tiveram um treinador ao longo de suas trajetórias. E possivelmente a maioria nunca teve uma treinadora.
Na segunda fase da parceria entre COB e Unicamp, realizou-se o Mira (Programa de Mentoria de Treinadoras). De acordo com Taciana Pinto, gerente da área Mulher no Esporte do COB, o programa acompanhou de perto dez treinadoras de seleções nacionais de base ou adultas. Elas passaram por um processo de oito meses, com encontros virtuais e presenciais com os mentores e com estratégias de desenvolvimento individualizado. Algumas acompanharam seleções em competições internacionais ou fizeram imersões em clubes.
Entre as beneficiadas estão Maria Portela, técnica da seleção juvenil cadete de judô, e Gabrielle Moraes, assistente de Camila Ferezin na seleção principal de ginástica rítmica. Ambas faziam transição de carreira.
" Quero que ela seja melhor que eu " diz Camila, eleita a melhor técnica de 2023 pelo COB. " A GR é um esporte essencialmente feminino. Nossa comissão técnica tem cerca de 90% de mulheres. Essa foi uma opção minha, porque mulheres entendem melhor as mulheres. Somos 22 atletas concentradas em Aracaju (SE) e vemos nos detalhes que isso fez diferença.
CAMINHO SEM VOLTA
No judô, modelo no naipe feminino, além de Portela, Sarah Menezes e Andrea Berti são técnicas do feminino sênior, e Erika Miranda treina o feminino júnior.
" O meu esporte é privilegiado. Desde que entrei na seleção, tive exemplo. A Rosicleia Campos (pioneira na modalidade) foi nossa treinadora. Além dela, a comissão técnica era recheada de profissionais do feminino " analisa Sarah. " Portela tem muito potencial, tenho certeza de que trará benefícios para a nova geração.
Taciana conta que o COB realizará em breve a segunda edição do Mira, com processo seletivo aberto ainda no primeiro semestre. Dezoito profissionais serão selecionadas: dez terão a estratégia de mentoria individual e oito, em grupo. Esse formato "será um teste", segundo ela, para baratear os custos e dar oportunidades a mais treinadoras.
Taciana lembra ainda que, a partir deste ano, as confederações precisarão nomear 30% de mulheres em suas comissões técnicas para jogos internacionais. O Pan-Americano Júnior, em agosto, marcará a estreia da iniciativa, que no ano que vem valerá também para o Sul-Americano adulto. Ela lista as federações que têm demonstrado maior interesse em desenvolver projetos de incentivo em vários níveis: judô, surfe, vela, ginástica rítmica, tênis de mesa, rugby e desportos na neve.
" Há diferenças de envolvimento e maturidade. Faz parte do processo crescer e incorporar novas ações " pondera Thatiana. " O importante é que já se entendeu que não há mais volta.