Dois mundos diferentes
Artigo
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Primeiro, a boa notícia. A seleção brasileira terá um ótimo treinador, experiente, dos mais vencedores do mundo, cuja carreira é marcada pela capacidade de adaptação e pela sabedoria para acomodar talentos.
Agora, cabe fazer as ponderações. A longa espera por Ancelotti revelou que a CBF não tinha exatamente um projeto para a seleção. O projeto era Ancelotti, a crença num nome como solução, como se a contratação de um treinador vitorioso significasse que ele trará consigo as taças que já venceu, como uma espécie de garantia.
Em seguida, vem o contexto. As realidades de clubes e seleções cada vez se distanciam mais. Um treinador de clube não fica três meses sem comandar um treino, tem o dia seguinte aos jogos para corrigir a rota, desfruta da relação diária com seu elenco... São trabalhos muito diferentes.
Os três últimos treinadores campeões mundiais " Scaloni, Deschamps e Löw ", têm carreiras modestas ou inexistentes no futebol de clubes. Aliás, a atual temporada europeia reforça tal reflexão. Hansi Flick, que já foi campeão europeu com um excelente Bayern de Munique, montou no Barcelona uma das equipes mais atraentes do ano. A outra é o Paris Saint-Germain de Luis Enrique. Dois treinadores que, no Catar, conduziram Alemanha e Espanha, respectivamente, a duas das campanhas mais desapontadoras.
Não é regra, claro. Felipão, o último técnico campeão do mundo pelo Brasil, foi um ganhador em série também no futebol de clubes. O que está claro, no entanto, é que não se trata de uma simples transposição das virtudes de um treinador de uma realidade a outra. Para piorar, a CBF se encarregou de tornar tudo mais difícil. Esperou tanto por seu treinador-fetiche que, para se adaptar ao universo do futebol de seleções, Ancelotti terá menos de um ano e cinco convocações até elaborar a lista final da Copa do Mundo.
De todo modo, Ancelotti é um vencedor que atravessou épocas. Entre a primeira Champions que venceu e a mais recente, há um espaço de 21 anos. O futebol mudou neste período e o italiano se adaptou. O que torna um tanto difícil definir, agora, como jogará a seleção brasileira. No Milan, ficou marcado seu 4-3-2-1, também apelidado de árvore de natal. No Real Madrid, transitou entre o 4-3-3, o 4-3-1-2 para acomodar Bellingham por trás de Vinicius Junior e Rodrygo, passando pelo 4-4-2 ou pelo 4-2-3-1 nas frustradas tentativa de equilibrar o time com Mbappé.
No Real Madrid, teve etapas de mais posse e outras em que, para permitir espaço a atacantes velozes, marcou atrás e contra-atacou. A seleção não terá alguém apegado a um estilo. Ancelotti tem como marca a flexibilidade.
Mas terá desafios, um deles bem familiar: acomodar os maiores talentos ofensivos do Brasil, todos eles com predileção pelo lado esquerdo do ataque, casos de Vini, Raphinha e Rodrygo.
A CBF parece entregar a Ancelotti uma única encomenda: ganhar a Copa. Algo tão incontrolável como aquém do que um técnico deste porte poderia agregar ao Brasil, convivendo, compartilhando métodos e influenciando o ambiente do futebol nacional. No fim, Ancelotti e Ednaldo serão julgados pelo resultado. É uma visão pobre, a repetição de velhos erros ao julgar resultados e não trabalhos. Mesmo se o hexa vier, caberá não esquecer a forma estabanada como a seleção foi gerida pela CBF neste ciclo.