Sábado, 02 de Agosto de 2025

‘O que faz o setor naval ser cíclico é a falta de política’

BrasilO Globo, Brasil 20 de julio de 2025

Entrevista

Entrevista
No auge, há cerca de duas décadas, o setor naval brasileiro chegou a empregar perto de 120 mil pessoas. A descoberta das reservas do pré-sal e a demanda por plataformas e embarcações de apoio à exploração de petróleo e gás em alto-mar encheram estaleiros de encomendas e trabalhadores. Mas o redimensionamento dos planos e a retração dos investimentos da Petrobras na esteira das revelações da Operação Lava-Jato jogaram um balde de água fria no setor. Empresas fecharam ou encolheram, assim como as vagas de trabalho. O número de profissionais despencou para os 30 mil atuais. O Rio, berço da indústria naval, foi um dos estados mais afetados.
O estaleiro Mac Laren, com 87 anos de existência, atravessou todas essas intempéries e conseguiu se adaptar aos novos tempos para resistir, focando, por exemplo, na manutenção de navios. Agora, prepara-se para um esperado renascimento do setor naval, ainda que em outras bases.
A companhia decidiu investir R$ 250 milhões para erguer um novo dique em sua unidade na Ilha da Conceição, em Niterói (RJ). Recentemente, o estaleiro assinou um contrato de cerca de R$ 270 milhões com a Transpetro, subsidiária de logística da Petrobras, para construir quatro navios petroleiros em parceria com a Ecovix. Esse acordo marca o início da renovação da frota nacional, algo que o setor não via em larga escala há mais de uma década, diz Alexandre Kloh, vice-presidente do Mac Laren, principal executivo à frente das operações e um especialista no setor naval, em entrevista ao GLOBO.
Qual é o principal desafio para a recuperação do setor naval?
Hoje, sem dúvida, um dos principais desafios é a atratividade da mão de obra. Trazer de volta toda a mão de obra que nos últimos dez anos foi completamente desmantelada. Perdemos toda aquela expertise, o pessoal técnico qualificado. No auge, o setor empregava até 120 mil pessoas. Hoje, são cerca de 30 mil.
Como requalificar?
A empresa já firmou parceria com o Sistema S. Então, já qualificamos nossos funcionários. É uma mão de obra técnica, com conhecimento que vem sendo passado de geração para geração. Já tive funcionários que o avô, o pai e o filho trabalharam na empresa. É preciso muito treinamento técnico. E ter programas de parceria com o governo federal, estadual e municipal de forma a criar escolas. Estamos mostrando para onde a atividade naval está caminhando novamente e o município está se antecipando, criando escolas técnicas de formação de profissionais.
Os salários são atrativos?
O salário hoje de um soldador, por exemplo, é bem atrativo para uma função técnica. Chega a ganhar de R$ 4,5 mil a R$ 8 mil. É um bom salário.
A Lava-Jato foi o principal fator que afetou a atividade naval nos últimos anos ou o setor é cíclico?
O setor cíclico é o de construção naval. O que faz ele ser cíclico, no meu entendimento, é a falta de uma política de governo. Mas o mercado de exploração, produção, logística não é, e continua sempre demandado. Na pandemia, nós não fechamos nosso terminal um dia e não deixamos de atender nenhuma embarcação. Tivemos até aumento da demanda de embarcações.
Quando o senhor fala de uma política de governo, o que quer dizer exatamente?
Quando a gente compara a construção naval nacional com a da China, a legislação trabalhista, as condições de trabalho são completamente distintas. Quando olho nossa tributação, temos um ICMS muito alto. Por mais que tenhamos isenção de tributos federais nos produtos importados, o ICMS tem incidência muito forte no processo produtivo. Então, por que não temos uma política isentando a cadeia da indústria naval do ICMS? Por que tudo aquilo que reciclo de aço não volta para a indústria naval desonerado? Aumento o conteúdo nacional. Seria uma forma de trazer maior competitividade para essa indústria.
Mas desonerar não fica difícil num cenário fiscal complicado tanto para União quanto para estados e municípios?
O governo está muito ocupado com o IOF (imposto que o Executivo aumentou após vencer disputa com o Legislativo no STF). Mas a gente vem conversando com Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic), sobre isso. Estamos falando da importância disso com a Secretaria da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro. Mas não são políticas fáceis. O Rio está num processo de recuperação fiscal. Falar de um novo projeto para desonerar é muito difícil. Só que eu acho que é uma matéria que tem de ser enfrentada. O Rio de Janeiro é o berço da indústria naval nacional.
Como a empresa conseguiu passar pelo impacto da Lava-Jato no setor?
Vimos de fora, não tivemos qualquer participação. Para chegar aos 87 anos, com a empresa sólida, endividamento zero, ressignificamos e diversificamos nossa atividade para atender toda a cadeia marítima offshore, desde a construção de embarcações, até estruturas metálicas, a operações logísticas. A empresa sentiu, sem dúvida, porque a parte industrial teve retração grande. Já chegamos a ter 14 mil funcionários, quatro estaleiros. Hoje, temos duas unidades logísticas industriais portuárias. Foi muito triste ver uma indústria que estava pujante até 2014 sofrer aquela queda.
A empresa está fazendo um novo investimento?
Sim. É um dique modular flutuante, com dimensões e características operacionais únicas do Hemisfério Sul. Isso vai reposicionar o Mac Laren como uma das líderes brasileiras em construção, manutenção e reparo de embarcações. Esse dique privado será o terceiro maior do país. São R$ 250 milhões, via Fundo de Marinha Mercante (gerido pelo BNDES). A construção está prevista para começar em janeiro de 2026, com entrega em dezembro do mesmo ano. Em termos de geração de empregos, são 1.500 diretos e 6.000 indiretos durante a obra, e 3.000 diretos e 12.000 indiretos na operação.
Que diferença fez o contrato com a Transpetro?
Para a Mac Laren significou voltar à origem, já que a empresa foi construtora da primeira frota de embarcação de apoio marítimo.
Alexandre Kloh / vice-presidente do estaleiro mac laren
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