Sábado, 26 de Julio de 2025

‘Sobre ousadia, tem que mexer em time que está ganhando’

BrasilO Globo, Brasil 24 de julio de 2025

Entrevista Especial

Entrevista Especial
Em cinco décadas, o Grupo Boticário saltou da farmácia de manipulação aberta por Miguel Krigsner em Curitiba, em 1977, para a condição de gigante brasileira de beleza " com oito marcas, 4 mil lojas, mais de 20 mil funcionários e presença em mais de 40 países. A trajetória, define Artur Grynbaum, vice-presidente do conselho consultivo da empresa, vem de essência baseada em ousadia, planejamento e inovação, cultivo de boas relações, e foco na operação e no consumidor, além de "mexer em time que está ganhando" para vencer novos desafios e crescer.
Na terceira entrevista da série Diálogos de Negócios, o executivo mostra que sua história tem um paralelo com a da empresa. Grynbaum ingressou no Boticário em 1986 como assistente financeiro e avançou. Foi CEO de 2008 a 2021, antes de subir ao conselho. Cunhado de Krigsner, ele diz que ser da família não o dispensa de entregar sua parte na concretização dos ambiciosos planos da empresa. Em 2024, o Boticário anunciou mais de R$ 4 bilhões em investimentos para expandir sua capacidade de produção e logística, incluindo a abertura de sua quarta fábrica, em Minas Gerais, prevista para 2028.
Quanto de ousadia é preciso para ter um negócio bem-sucedido? É verdade que, antes de ter um perfume, o Boticário comprou 70 mil frascos de vidro?
Sim. Ousadia faz parte da vida do empreendedor, ainda mais no Brasil. O caso dos frascos é emblemático. Acreditamos em manter relações que crescem e se desenvolvem com o negócio. Numa delas, uma pessoa da indústria de vidro veio fazer uma oferta (em 1979), dizendo que um cliente tinha imaginado começar uma indústria de cosméticos, mas decidiu mudar de ramo e ela tinha um lote interessante (de 70 mil frascos). Depois, soube-se que era o Silvio Santos (que mais tarde criaria a Jequiti). Mudou a rota do galpão porque estava construindo o SBT. Miguel (Krigsner) disse que queria 3 mil ou 4 mil frascos e, dali a seis meses, mais. A pessoa disse que era tudo ou nada. E veio a questão: o que fazer com os frascos? Começaram a sair vários produtos. É a ousadia. O frasco virou o símbolo (da empresa). A perfumaria seletiva no Brasil se confunde com a história do Boticário. O ano de 1985 foi fantástico. Lançamos dois produtos de reconhecimento, (os perfumes) Thaty e Styletto, que foram líderes por décadas. Sobre ousadia, tem que mexer em time que está ganhando. A gente se desafia o tempo inteiro a construir o futuro. Não tem receio de mudar. O brasileiro gosta de beleza, de se cuidar, e a gente tinha de trazer produtos que coubessem no bolso do consumidor.
É vital conhecer o cliente?
Hoje se fala muito em termos como consumer experience. É importante, vai nas nossas origens. Meus pais e os do Miguel tinham lojas de confecção. Nós brincávamos e nos criamos dentro dessas lojas, com esse olhar de varejo. Enquanto todo mundo fazia pesquisa querendo saber sexo, renda, faixa etária, eu queria saber como o consumidor pega no produto, para que ele quer aquilo, que expectativa tem. Sempre queria um passo a mais, beber mais nessa fonte chamada consumidor para fazer a entrega. Conhecer seu consumidor, o mercado, seus concorrentes é fundamental.
Qual o principal desafio de empreender no Brasil hoje?
Os mercados estão mais apertados para crescer. E tem a questão de como se financia isso com a taxa de juro atual (a básica é 15% ao ano). Está muito complicado tomar dinheiro para montar uma operação. Perdemos a visibilidade para poder fazer um bom planejamento mais no longo prazo. Vamos ver como vai ficar depois da questão (da reforma) tributária. Hoje existe uma selva tributária.
Para lidar com desafios, é preciso inovação?
É obrigatório. Inovação, no nosso caso, é um pilar central. Posso dar três pilares que me serviram no passado e continuam servindo como farol de futuro. Um é o foco no consumidor, para entender e trazer não só inovação em produtos, mas organizar as estruturas internas para servi-lo cada vez melhor. Um segundo é o respeito que a empresa tem com os parceiros comerciais, como o franqueado. E o terceiro é inovação. Porque as pessoas não cansam de buscar no nosso segmento, e eu vou brincar aqui, a juventude eterna. Todo mundo quer parecer mais novo, estar mais bonito, mais cheiroso. E isso faz com que se tenha uma ansiedade muito grande pelo que vai ser lançado. O nosso segmento talvez seja um dos mais dinâmicos do varejo mundial. As pessoas associam inovação a produto, mas temos inovação para a experiência de compra, a forma de comunicar, de gerir o negócio. Isso faz a gente ter robustez na imagem das marcas perante consumidores. Eles participam dessa palavra da moda: ecossistema. Ou seja, fornecedor, franqueado, revendedor, parceiro, colaborador.
Como criar um ecossistema?
Para fazer esse trabalho, a escolha do canal de franquia foi fundamental. Começamos a estruturar melhor a partir de 1986. Passamos a fazer treinamento sobre produto mais efetivo. Como manter? A gente é chato para caramba, a régua é muito alta. Cobramos muito dos nossos times, dos franqueados, das equipes deles, de como atender o consumidor, o que tem de oferecer, a experiência no ponto de venda, os nossos filmes de marketing. Tudo é um sistema integrado. Se não funciona, temos de arrumar rapidamente. Posso investir milhões em desenvolvimento de produto, mas, naqueles 60 segundos para abordar uma consumidora ou para uma revendedora vender um produto, se eu falhar, joguei tudo o que fiz fora.
DIEGO BARRETO, CEO do iFood, pergunta: Qual foi a decisão mais difícil da sua carreira, na qual você teve que contrariar uma "verdade sagrada" do Boticário para que a empresa pudesse mudar de rota?
Estou aqui tentando buscar na minha mente uma decisão que foi contra "a verdade sagrada" e não consegui. Possivelmente porque nossas verdades sagradas estão espalhadas nos nossos valores, como brilho nos olhos dos nossos consumidores, sermos inquietos, apaixonados por execução, nutrindo nossas relações e sucesso responsável. Todas as grandes e difíceis decisões só puderam ser tomadas considerando visão de longo prazo somada a nossos valores. Talvez uma que possa citar foi quando decidimos criar novas marcas, o que gerou a formação do Grupo Boticário. A primeira foi Eudora, sendo levada ao mercado sem modelo de franquia. Deu certo.
PELERSON PENIDO DALLA VECCHIA, CEO do Grupo Roncador, pergunta: Como olham para seus fornecedores em relação à sustentabilidade? Há diferencial de remuneração?
Ao longo dos nossos 48 anos, a sustentabilidade, como hoje se convencionou chamar ESG, sempre fez parte do nosso modelo de negócio por escolha, não por obrigação. Acreditamos que essa jornada deve ser compartilhada com todo o nosso ecossistema, incluindo nossos fornecedores. Estimulamos uma abordagem colaborativa, com compromissos claros e metas conjuntas. Aqueles que avançam conosco são reconhecidos por meio do nosso Programa de Avaliação e Desenvolvimento de Parceiros (PADP), com mais de 27 anos, com critérios como relevância, valor comercializado e sinergia com o grupo, promovendo boas práticas com suporte especializado e planos de ação. Mais de 10% da avaliação do PADP já é dedicada a temas ESG, e os melhores colocados recebem reconhecimento específico na premiação Destaque ESG, em sete categorias auditadas, reforçando que, embora não haja diferenciação de remuneração, há um incentivo claro ao avanço socioambiental. E consequentemente, quem pontua melhor tem um volume maior de negócios conosco, pois para nós, sustentabilidade é alavanca de crescimento e inovação, não só um requisito.
ALBERTO KUBA, CEO da WEG pergunta: Na sua visão, qual é o papel das grandes marcas de consumo na aceleração da sustentabilidade no Brasil, especialmente no que diz respeito ao engajamento do consumidor para escolhas mais conscientes e sustentáveis?
As marcas com grande alcance, como as nossas, têm o dever de liderar pelo exemplo. Buscar diferentes soluções, formatos, desafiar e trazer o olhar de médio e longo prazo para esta equação. Também é importante jogar luz sobre o tema, levando informações para que o consumidor tenha bom entendimento sobre as temáticas e, assim, possa fazer suas escolhas tendo como pontos de avaliação os produtos, a reputação da marca e sua contribuição para a sociedade. Ao longo dos anos, aprendemos a traduzir estratégias de responsabilidade corporativa em ações concretas que impactam tanto resultados financeiros quanto sociais e ambientais. Não se trata de tendência ou estratégia de curto prazo, mas de convicção sobre "a coisa certa a se fazer". O consumidor percebe quando há coerência e verdade, e é aí que nasce o engajamento.
Artur Grynbaum / Sócio e vice-presidente do conselho consultivo do Grupo Boticário
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