Domingo, 17 de Agosto de 2025

A sofisticação da falação esportiva

BrasilO Globo, Brasil 10 de agosto de 2025

Marcelo Barreto

Marcelo Barreto
Eu adoro vôlei. Vejo um bom número de partidas, principalmente das seleções brasileiras. Embora nunca tenha praticado fora das aulas de educação física, entendo bem as regras e fui acompanhando suas muitas mudanças. Conheço características de atletas e equipes: quem usa mais a habilidade, a força, a altura, qual tem um ataque poderoso ou uma defesa eficiente. Sei reconhecer quando uma jogada foi bem executada, e até me arrisco a avançar nas relações entre cada fase "por exemplo, um saque forçado pode ajudar a montar um bloqueio pesado, porque complica o passe adversário e deixa menos opções para um levantamento eficiente. Mas não me arrisco a passar daí. Se o Brasil de Zé Roberto ou Bernardinho está perdendo para a Itália ou a Polônia, me sinto incapaz de pensar por conta própria numa solução.
Sei que a primeira parte do que escrevi acima é o que se espera de um jornalista esportivo " não necessariamente ser um especialista em todas as modalidades, mas conhecer o básico, especialmente das mais populares, como o vôlei. E sei também que para a segunda parte há uma solução: prestar atenção no que dizem os comentaristas (no SporTV, por exemplo, há sempre uma combinação eficiente entre a experiência em quadra de Nalbert, Fabi ou Paula Pequeno e o didatismo de Marco Freitas). Mas o ponto aonde quero chegar é que o futebol já foi a exceção a essas regras.
O esporte mais popular do mundo atingiu esse status, entre outras coisas, por sua aparente simplicidade. As regras, que eram só 17, foram estabelecidas numa conversa de bar " ou pub, como os ingleses chamam os seus. Os sistemas táticos, que em 1863 eram baseados em um jogador de defesa lançar a bola para outros nove no ataque, foram se sofisticando aos poucos, mas tiveram o efeito colateral de diminuir os placares. Um século depois, quando Umberto Eco criou o conceito de "falação esportiva", o futebol "que o filósofo italiano detestava " já tinha se transformado no candidato perfeito para defini-lo: um jogo que não se joga apenas no campo, mas continua sendo jogado por quem fala sobre ele (numa combinação entre vocês da imprensa e torcedores). Quer nos chamar de palpiteiros? Ok, mas somos também a explicação de um fenômeno.
Eco viveu até 2016, o suficiente para testemunhar a explosão tecnológica que permitiu a todo mundo falar de tudo o tempo todo. Mas foi justamente nessa época que o futebol resolveu abraçar a sofisticação, na prática e no discurso. As regras, que agora são aplicadas com auxílio da tecnologia do VAR, ganharam mais emendas do que a constituição dos Estados Unidos, e a lista de expressões usadas para explicar o jogo é ainda maior. Combinações numéricas simples como 4-3-3 não servem mais para explicar uma escalação, mas o DOGSO pode ser necessário para definir a cor de um cartão.
Esta coluna não é um libelo contra a mudança da linguagem, muito menos contra a evolução do esporte " que sempre foi praticado e planejado por especialistas. O vôlei, que usei como exemplo no início, é uma prova de que é possível ser sofisticado e popular ao mesmo tempo. Mas foi se modificando com o tempo para se aproximar de nós, os não especialistas. Hoje, vendo um jogo de futebol, me pego perguntando se o campeão mundial de falação esportiva não está tomando o caminho contrário.
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