‘É a hora de mostrar aonde queremos chegar’
Entrevista
Entrevista
Ex-zagueira e capitã da seleção brasileira, Aline Pellegrino assumiu o desafio de desenvolver o futebol feminino em todo o país ao aceitar o convite da CBF. Mais de uma década após a aposentadoria e há cinco anos cuidando das competições nacionais, ela conta, em entrevista ao "Toca e Passa", vídeocast do GLOBO, os avanços da modalidade, os percalços pelo caminho e, sobretudo, o legado que a Copa do Mundo de 2027 deixará: "É hora de mostrar quem somos, o que fazemos e aonde podemos e queremos chegar. É a Copa das mulheres".
Você pendurou as chuteiras em 2013 e logo depois foi para os bastidores. Como avalia a evolução do futebol feminino?
Evoluiu muito. Em 2013, meu último jogo foi no Pacaembu, pela Copa do Brasil. Ainda não existia o Campeonato Brasileiro como temos hoje, e a Copa do Brasil parou em 2016 e só retomou esse ano. Em 2013, jamais imaginaríamos que o Brasil pudesse sediar uma Copa. Isso já diz muito.
Qual o tamanho do desafio?
É muito grande. Pensar na massificação do futebol feminino para um país continental como o Brasil exige mudança de cultura e visão estratégica. Há 12 anos, não tínhamos campeonatos. Hoje temos o Brasileiro em suas três divisões, a Copa do Brasil, e competições de base do sub-14 ao sub-20. As competições são fundamentais: sem campeonato, não há clube, atleta ou profissional da comissão técnica.
Hoje as meninas enfrentam menos desafios?
Sem dúvida. Quando saímos dos grandes centros, as dificuldades aumentam. Mas, mesmo assim, comparado ao que vivíamos antes, são muito menores. Antes, se havia algum campeonato, era só adulto. Não existiam competições de base nem ligas de desenvolvimento. Eu cheguei à seleção brasileira com 22 anos sem ter participado de nenhuma competição de base. Hoje, as atletas chegam à seleção adulta ou aos clubes com muito mais experiência, mais minutagem.
Como isso influencia a cultura do futebol feminino no país?
Hoje há mais clubes, mais campeonatos, atletas sonhando em jogar em grandes clubes. Antes, muitos sequer tinham futebol feminino. É uma mudança cultural importante, considerando que o futebol feminino foi proibido por 40 anos. E o mais difícil é mudar cultura. Não tem uma fórmula, não consigo fazer uma planilha, não consigo fazer uma projeção para tal ano. Nisso, a Copa do Mundo tem um papel fundamental.
A massificação está acontecendo?
Em 2021, um clube tinha três meses de calendário. No ano que vem, vamos chegar na maioria dos estados com pelo menos seis meses de calendário e com margem para aumentar. Isso é muito impactante.
E qual o próximo passo?
Precisamos chegar na base, fazer os estaduais nas categorias sub-20, sub-17. O programa CBF Transforma, em parceria com a Fifa, desenhou torneios estaduais pensados com muito cuidado. São torneios de um mês, duas semanas, e começamos a ver as coisas acontecendo. Tenho certeza de que a Copa do Mundo vai fazer com que mais meninas batam nas portas dos clubes e federações.
O interesse comercial tem acompanhado o crescimento do futebol feminino?
Estamos um pouquinho à frente, não estamos tão alinhados. No feminino, temos que olhar de trás para frente. Primeiro pensamos na final, como fazer uma grande final, com dois grandes públicos, depois as semifinais, as quartas de final... Tenho certeza de que a marca vai ver um potencial ali e também vai olhar para a primeira fase.
Em 2026, o Brasileirão A1 terá 18 times. Era hora de aumentar?
A demanda pelo aumento vinha desde 2020. No fim do ano passado, sentamos com os clubes e entendemos que seria positivo. Será a primeira vez que teremos todos os clubes tradicionais e de camisa, estará mais robusto. Isso dá mais responsabilidade aos clubes. Claro que haverá diferenças de desempenho, é normal, como em qualquer liga, mas a expectativa é de um campeonato interessante e atraente para público e TV. O próximo ano vai ser balizador. Podemos rever no fim do ano.
Como você avalia a questão do público nos jogos?
Acho que é natural, é meio orgânico. Você não precisa convencer um flamenguista a torcer para o Flamengo, não precisa convencer um corintiano a torcer para o Corinthians. A paixão está ali. Mas isso precisa ser fomentado, precisamos conversar com esse torcedor. O case do Cruzeiro é interessante. Conseguiu aumentar seu público significativamente, de uma média de 700 pessoas na primeira fase para 20 mil na final. Cada clube tem seu contexto. Não há uma "régua única" para cobrar presença, é algo a ser construído com cada clube.
O calendário feminino terá 22% mais jogos em 2026. Qual é o número ideal?
Já estamos perto do limite. Decidimos não usar a data Fifa, pois é o momento de ver a seleção brasileira. E é o período de recuperar atletas e time. Ano que vem, a Série A2 passa de 70 para 134 jogos. Discutimos outras competições. Ainda tem uma margem, mas temos que fortalecer os estaduais, não podemos espremer esse desenvolvimento.
Qual legado a Copa do Mundo vai deixar no Brasil?
Quando pensamos no legado, temos que ir muito além do futebol. Temos que pensar no esporte feminino, mas também na figura da mulher na sociedade. Vamos trabalhar muito para abordar temas delicados e causar impacto na sociedade. "Será que o estádio estará cheio? Ou que o Brasil vai ser campeão?", acho que legado é além de tudo isso. É hora de mostrar quem somos, o que fazemos e aonde podemos e queremos chegar. É a Copa das mulheres.
Pode ser com a seleção brasileira campeã do mundo?
Deve ser com a seleção campeã (risos). Antes de ir para Bangkok (Tailândia, onde o Brasil foi anunciado como sede), gravei um vídeo no Maracanã. Falei: "Em 2007, estávamos aqui, 70 mil pessoas e fomos campeãs (Pan-Americano). Agora, em 2027, 20 anos depois...". Tenho acreditado muito. Nossa primeira medalha de prata nos levou à final de Copa do Mundo. Ano passado, veio essa medalha de prata… Não podemos garantir nada, é uma responsabilidade gigante para elas, mas pensando em energia, acho que está acontecendo. Olha, fico toda arrepiada.
Aline Pellegrino / gerente de competições da cbf