O rascunho da seleção
Carlos Eduardo Mansur
Carlos Eduardo Mansur
Há três anos e quatro meses, a seleção brasileira se encontrava exatamente no lugar em que está agora. Claro que a frase que abre esta coluna refere-se à questão geográfica, e de forma alguma ao estágio de formação de um time para a Copa do Mundo.
Voltemos a junho de 2022, cinco meses antes da Copa no Catar. Na penúltima data Fifa antes do torneio, o Brasil de Tite foi à Coreia do Sul e ao Japão, viagem que se repete agora. Dos titulares usados nas duas partidas, apenas Guilherme Arana, vítima de uma lesão no joelho, não foi ao Mundial. O time que estreou no Catar, contra a Sérvia, repetiu oito titulares do jogo com a Coreia e sete da partida com o Japão. Mas o fundamental é que, àquela altura, o Brasil tinha oito ou nove titulares claros para a Copa.
Era uma etapa de ajustes finos para Tite. Na Ásia, ele consolidou dois planos para o Mundial: um com Vinicius Júnior na ponta esquerda, outro com Paquetá nesse setor. Tomou, ainda, outra decisão: o Brasil estrearia na Copa com a primeira opção e enfrentaria a Suíça com o plano B. Anda testou, e descartou, Neymar como "falso 9". Quando a Copa chegou, a lesão do camisa 10 forçou Tite a mudar planos. Copas são cheias de surpresas que nem o melhor dos planejamentos é capaz de evitar.
Mas o fundamental aqui é olhar o nível de detalhe que os seis anos de trabalho permitiram à seleção planejar. E antes que se diga que o tempo não serviu de nada, o país resultadista fez a derrota nos pênaltis para a Croácia turvar nossa visão: o Brasil foi superior aos croatas, era um dos favoritos do torneio e era, sim, capaz de disputar o título.
Agora estamos a oito meses do Mundial e, novamente, numa visita à Coreia e ao Japão. A diferença é que a comissão técnica estreou há quatro meses e fará amanhã apenas seu sexto jogo. Ainda assim, a viagem à Ásia pode ser um marco.
A seleção parece ter ganhado, enfim, uma estrutura. Ancelotti prepara laterais com papéis diferentes. Quem jogar na direita, deverá avançar e abrir campo quando o Brasil atacar. Pela esquerda, o lateral será mais ativo na saída de bola e só vai se projetar quando a jogada se definir por seu lado. À frente dos dois volantes " Casemiro e Bruno Guimarães parecem duas das certezas " haverá quatro homens: um ponta-direita que se moverá para o centro, abrindo espaço para o lateral; um ponta-esquerda mais aberto; além de dois homens mais centrais " dois atacantes ou um atacante e um meia.
Alisson, Marquinhos, Gabriel Magalhães e os volantes parecem certezas, enquanto é justo imaginar que Vinicius, Rodrygo e Raphinha sejam talentos difíceis de dispensar. Surgem as interrogações.
A lateral direita não tem um nome que ofereça garantias. No centro do ataque, é possível ter dois homens móveis, como foram Vinicius e Matheus Cunha em Seul, ou ter João Pedro, com características de centroavante e mobilidade para ajudar a criar jogadas " ou, ainda, um especialista como Igor Jesus ou Richarlison. Isso mexe com a função de Vini, que pode partir do centro do ataque ou da ponta esquerda. Raphinha é favorito ao papel de "camisa 10", mas pode haver jogos que peçam mais um meia como Paquetá. Nesse caso, Estêvão será mesmo o ponta ou Raphinha jogará aberto? E Matheus Cunha, pode ser o segundo atacante?
O trunfo brasileiro é não ter escassez de talentos no ataque. O prejuízo do ciclo bagunçado é que a comissão técnica não fará testes suficientes até a Copa. Ao menos, o Brasil já tem um rascunho.