O processo
Fernando Kallás
Fernando Kallás
Existe um ditado popular no esporte norte-americano que eu acho fascinante e diz que "o processo deve estar acima dos resultados". Em uma sociedade imediatista como a nossa, orientada quase que obsessivamente ao sucesso, que parece considerar qualquer tropeço um fracasso, seguir esse mantra é um dos maiores desafios de treinadores e gestores esportivos do mundo moderno.
Acreditar no processo é ter uma mentalidade que prioriza os métodos, sistemas e ações utilizados para atingir um objetivo, mesmo que durante o caminho alguns resultados não sejam os esperados. Para isso, é necessário foco, paciência e confiança em um plano. Acreditar que um processo sólido, consistente e com valores é fundamental para construir os pilares que sustentam o sucesso a longo prazo.
Lembro de uma entrevista do Zidane em 2020 que chegou a chocar muita gente. Logo após a conquista do Campeonato Espanhol com o Real Madrid, o treinador disse que aquele título era o mais prazeroso da carreira dele como treinador, mais importante do que as três Champions League que ele já tinha ganhado com o clube.
No esporte, uma vitória e uma derrota muitas vezes podem ser imprevisíveis ou aleatórias. Em torneios de mata-mata ou final de partida única, um pênalti, lesão, erro, expulsão ou lance de sorte podem acabar com um favorito eliminado. Quantas vezes vimos sorteios de torneios eliminatórios colocarem vários favoritos de um lado da chave e um monte de azarões do outro?
Ganhar nos pontos corridos é uma coroação do processo porque é uma questão de consistência. Ganhar, ganhar, ganhar e voltar a ganhar. Não há fase que dure um ano inteiro. O que sobrevive é o processo, a cultura e o comprometimento construídos.
Construir uma cultura vencedora demora meses, pode levar anos. A Espanha, grande favorita para ganhar a Copa de 2026, tem um treinador que começou seu projeto nas seleções de base do país há mais de 10 anos, onde formou mais da metade do elenco atual.
Luis de la Fuente assumiu a seleção espanhola principal há pouco mais de três anos. Teve um ano e meio para montar o seu time para a Eurocopa " e atropelou os rivais com um time que joga como música.
Teria sido fantástico se Carlo Ancelotti tivesse chegado ao Brasil antes. Mas a realidade é que ele só terá um ano para preparar o Brasil para a Copa do Mundo. E, em um projeto tão urgente e exigente, o processo deve estar ainda mais acima dos resultados.
Ancelotti, no alto da sua gigantesca experiência em uma carreira de enorme sucesso, sabe melhor do que ninguém que não há tempo para dúvidas. Não há espaço para distrações. Ele precisa seguir o seu plano e avaliar o que viu sem se obcecar com os placares. Ele já conseguiu o que parecia impossível nos últimos anos: que o Brasil jogue com a faca entre os dentes e de forma organizada. Um sistema fluido e moderno que está definido e que os jogadores já entenderam.
Jogadores que mostram que abraçaram a chegada do novo treinador e que estão comprometidos com a causa. Vemos um Casemiro rejuvenescido como jogador e amadurecido como líder em um vestiário que, dizem, está mais fechado do que nunca.
No vestiário, respiram-se ares de seriedade e foco, mas sem cair em tensão. O italiano está encantado com a chance de treinar o Brasil e sua energia chama a atenção até de quem o conhece há muitos anos. Os jogadores não são cegos, e o entusiasmo de Carlo tem sido contagioso em tudo que gira em torno da seleção.
O caos absoluto que reinava na CBF e em uma seleção sem norte, que foi humilhada pela Argentina há poucos meses, parece uma lembrança de um passado distante. Hoje, a seleção está nas mãos de um maestro com um caminho traçado. Acredite no processo.