Viernes, 26 de Abril de 2024

‘Nunca tivemos essa parada abrupta e sincronizada’

BrasilO Globo, Brasil 6 de abril de 2020

Entrevista

Entrevista
Responsável pela estratégia de investimento da gestora AZ Quest, que administra quase R$ 17 bilhões em recursos de terceiros, Alexandre Silverio avalia que um dos efeitos da crise gerada pela pandemia do coronavírus será uma maior concentração de mercado em determinados segmentos. Ele, que atua há 25 anos no mercado, prevê um aumento de fusões e aquisições em diferentes setores como varejo, construção civil e bens de capital.
As pessoas já entenderam a dimensão da crise e seus efeitos para a economia?
Começamos o ano bastante otimistas. Não se avizinhava um cenário de recessão global. Naquele momento, debatíamos o impacto econômico de um choque de oferta, porque a província de Wuhan (na China) é muito importante em algumas cadeias de suprimentos. Quando o vírus começou a se espalhar e, no fim de fevereiro, atingiu de forma significativa a Europa, a crise mudou de dimensão. Saímos de um choque de oferta e fomos para um choque de demanda. Houve uma dramática redução da propensão de consumo, com reflexo imediato na perspectiva de emprego e renda. A partir da primeira quinzena de março, isso tudo provocou uma onda de deterioração de preços de ativos internacionais, que chegou de forma abrupta aqui no Brasil. Já enfrentamos várias crises no país, mas nada parecido com essa parada abrupta, rápida e sincronizada. Nem nas grandes guerras.
O senhor acredita que é preciso discutir um prazo para a retomada da atividade?
Sou favorável ao que dizem os especialistas. Tudo o que tenho lido reforça a percepção de que você precisa achatar a curva (de contaminação) para dar tempo para nos prepararmos. O lockdown, ou isolamento, é evidente que não pode durar muito, porque a economia não aguenta. Mas o tempo que isso vai durar não é uma questão que esteja sob nosso controle. O tempo é determinado pela curva de contaminação e a capacidade das autoridades " públicas e privadas " de ampliarem o atendimento na rede de saúde.
As medidas adotadas até agora pelo governo foram corretas?
Em 2008, o centro da crise foram os Estados Unidos e o sistema financeiro de lá. As autoridades americanas fizeram intervenções absolutamente fora de qualquer livro-texto. O Brasil está nessa direção. As medidas anunciadas até agora nunca foram experimentadas. Entramos em um processo em que a discussão da trajetória fiscal vai ficar em segundo plano. Temos que fazer isso agora, mas não poderá se tornar permanente. O grande problema de 2008 é que as medidas adotadas viraram quase um programa permanente.
É possível estimar, agora, o impacto dessas medidas sobre o resultado fiscal de 2020?
É muito cedo. Tendo a achar que vamos passar semanas e meses muito complicados no Brasil. Adoraria falar de um cenário de recuperação em "V", mas ainda devemos ter números muito ruins de PIB no segundo e terceiro trimestres. Depois começará a recuperação. A velocidade disso vai ser determinante para o arranjo fiscal lá na frente. Não vejo uma recuperação muito rápida. O desemprego ainda estará muito alto. A recuperação deve ser mais lenta do que em 2009.
O que podemos esperar para o mercado financeiro?
Quando olhamos para investimento em renda variável, em Bolsa, buscamos o fundamento, no longo prazo, para o valor daquela companhia. Hoje, é preciso entender como aquela empresa vai conseguir passar por este momento. Os focos principais são nas empresas que terão capacidade de sobreviver e nos setores que serão menos impactados por essa desaceleração.
Já há possibilidades se materializando?
Chama a atenção o fato de que temos preços muito depreciados de algumas companhias. Haverá maior concentração de mercado. Veremos, em diversos setores, uma maior concentração de empresas que estavam mais bem preparadas e que têm acesso mais fácil a crédito. Veja o varejo, por exemplo. É inegável que o varejo digital vai ganhar representatividade na vida das pessoas. No setor de educação, quem estiver mais bem preparado para prover ensino a distância vai se beneficiar.
Mas essas oportunidades serão benéficas no longo prazo, certo?
Nesses tempos em que vimos Bolsa em alta, entrada de novos investidores e depois uma forte correção, as oportunidades aparecem. É claro que precisamos ter em mente essa visão de médio e longo prazos. Hoje, a preservação de capital é fundamental, tanto para as empresas, quanto para quem tem de fazer frente a seus compromissos financeiros. Não sei o que vai acontecer com a Bolsa na próxima semana, mas em um prazo mais dilatado, de um, três, cinco anos, temos oportunidades interessantes.
O mercado de fusões e aquisições pode ganhar volume?
Teremos empresas que não vão sobreviver, e a fatia de mercado que tinham será absorvida por outras. Vejo isso para empresas ligadas a varejo, construção civil e bens de capital. Mesmo no setor de saúde. As empresas que têm caixa vão ter deterioração de resultados, mas, no fim, isso tudo vai passar. Vamos ficar com muitas cicatrizes, mas a sociedade "a classe empresarial, o cidadão " vai sair disso mais amadurecida e, espero, melhor.
Alexandre Silverio / gestor da AZ Quest
La Nación Argentina O Globo Brasil El Mercurio Chile
El Tiempo Colombia La Nación Costa Rica La Prensa Gráfica El Salvador
El Universal México El Comercio Perú El Nuevo Dia Puerto Rico
Listin Diario República
Dominicana
El País Uruguay El Nacional Venezuela