Expansão desordenada desafia cidades do petróleo
Campeãs de royalties
Campeãs de royalties
Elas são belas, ricas, atraem turistas, mas não conseguiram resolver problemas básicos, como universalizar o saneamento. Os royalties do petróleo enchendo os cofres não deram solução para condições mais adequadas de moradia em cidades da costa brasileira.
Na histórica São Francisco do Sul, em Santa Catarina, sente-se o cheiro de esgoto ao percorrer a orla. Ilhabela tem metade dos resíduos sem tratamento, enquanto Maricá e Saquarema crescem desordenadamente, repetindo a história de Rio das Ostras, cidade rica em royalties na Região dos Lagos, na qual a população quase triplicou em dez anos. Na Bahia, falta de urbanização e saneamento afetam Madre de Deus e São Francisco do Conde, cidades do petróleo.
" A gente tem dinheiro em caixa para resolver 100% do problema do saneamento e não resolve " afirma Carlos Nunes, diretor do Instituto Ilhabela Sustentável (IIS).
A prefeitura diz que destinará R$ 250 milhões em recursos dos royalties para construir cinco estações de tratamento.
Nos próximos quatro anos, os novos prefeitos vão receber o valor recorde de R$ 47,6 bilhões em royalties. Com mais recursos em caixa, o desafio é definir prioridades na sua aplicação. Ferramenta lançada pelo GLOBO, o Monitor dos Royalties, permite acompanhar como cada cidade usa o dinheiro do petróleo e a evolução dos indicadores sociais.
Em São Francisco do Sul, em Santa Catarina, a engenheira ambiental Therezinha Novais de Oliveira, professora da Universidade da Região de Joinville (Univille), alerta que jogar dejetos no mar põe em risco a Baía de Babitonga, berçário de vida marinha com espécies em risco de extinção:
" Ela concentra 75% dos manguezais do estado.
Em Maricá, no Rio, no topo do ranking dos royalties, Arani Ferreira vê o desenvolvimento chegar ao outro lado da margem de onde mora, na Lagoa de Maricá, e convive com mau cheiro na porta de casa:
" Quando sobe o cheiro é terrível, insuportável.
morador pavimenta rua
A expansão desordenada já começou no bairro Bosque Fundo, onde somente uma rua é asfaltada, e moradores convivem com valas de esgoto.
" Não estamos esquecidos, mas o bairro cresceu muito rápido. Hoje aqui tem mais gente de fora do que do município " diz Carlos Kid, presidente da associação de moradores.
Em São Francisco do Conde, na Bahia, a auxiliar de serviços gerais Ana Paula Tavares, mora sobre o mangue, na localidade conhecida como Cururupeba ou, oficialmente, Jerusalém. O esgoto corre entre os filhotes de caranguejos. As casas, na maioria, são de madeira sobre palafitas para evitar a maré cheia no início do ano.
" O que a gente mais gosta aqui é a paz, a calma, mas o problema é o descaso " diz.
A prefeitura usa os recursos para custeio e sobra pouco para obras de saneamento. A secretária de Fazenda Maria Natalice da Silva diz que, sem royalties, a cidade não sobrevive. Há dívidas previdenciárias e gastos com pessoal.
Segundo informou a secretária, a prefeitura tem gastado o dinheiro dos petróleo com despesas de manutenção, como a iluminação pública, pavimentação e drenagens.
No bairro Jaconé, em Saquarema, no estado do Rio, casas são construídas em meio ao brejo. Não há saneamento e apenas 50% dos lares têm fornecimento de água da Cedae.
" O anúncio do porto (em Ponta Negra, localidade próxima) movimentou o bairro. Mudou muito de 2000 até agora. Antes tinham três casas na minha rua, hoje são mais de 18 " conta Luiz Lima, morador do bairro há 20 anos.
Priscilla Barroso Poubel, secretária de Obras e Infraestrutura, diz que a cidade vem urbanizando o bairro, mas será difícil conter o avanço desordenado, como ocorreu em Rio das Ostras, onde a população passou de 36 mil em 2000, para 105 mil em 2010:
" Jaconé será a Rio das Ostras de Saquarema " prevê.
Em São Sebastião, ao lado de Ilhabela, na Baixada Santista, numa ruela estreita nos fundos da Vila Sahy, é possível ouvir o córrego passando em meio às casas de argamassa exposta. Canos despejam esgoto diretamente na água, que se infiltra na rua tortuosa do bairro, espalhando mau cheiro.
" Era para ser pior, viu? A gente pavimentou sozinho essa rua aí " diz um morador.
E a cidade tenta dar conta de uma população de alta temporada. Com a quarentena, as casas de veraneio estão ocupadas, gerando mais demanda para serviços de água e esgoto.
" Condomínios de veraneio estão lotados. Há 150 mil pessoas gerando lixo e esgoto na cidade " diz o prefeito Felipe Augusto, em uma cidade com 90 mil habitantes fixos.
Ocupação nas encostas
A advogada Fernanda Carbonelli, presidente do Instituto de Conservação Costeira, destaca o avanço das moradias irregulares em encostas:
" Há 104 núcleos de crescimento desordenado. São assentamentos urbanos precários, casas muitas vezes sem banheiro, em áreas de risco.
A prefeitura diz que tenta regularizar as moradias construídas nas áreas, mas interrupções no financiamento federal e demora nas licitações impediram o avanço das medidas.
*Especial para O GLOBO