Brasil pode crescer em proteína para ‘flexitarianos’
Entrevista
Entrevista
Agigante americana de alimentos ADM, que faturou US$ 64,3 bilhões em 2020, está interessada na proteína vegetal como alternativa à carne. E o Brasil pode ter um papel preponderante neste setor, diz a brasileira Letícia Gonçalves, que preside o segmento de Global Foods da companhia. Segundo a executiva, que está fora do país há 16 anos e já comandou empresas como a Monsanto, o mercado de proteína vegetal cresce 14% anualmente e deve chegar a US$ 30 bilhões por ano em 2030. Mais do que o movimento vegano, a ADM vê consumidores potenciais nos chamados "flexitarianos", os que não abrem mão de um churrasco, mas querem reduzir o consumo de carne no seu dia a dia. Em entrevista ao GLOBO, ela observa que a Covid aumentou a preocupação dos consumidores com a origem dos alimentos.
A ADM está processando mais produtos no Brasil?
A ADM está se transformando, de uma empresa de processamento de grãos, para uma empresa de nutrição. Seremos "farm to fork", ou seja, da fazenda ao prato. Estamos trabalhando com produtos como soja, milho, trigo, algumas castanhas e quinoa, que são utilizados dentro do nosso time de desenvolvimento de produtos para buscar inovações em sabor, textura, aparência e aspectos nutricionais e de saúde. O Brasil é o celeiro do mundo, mas o Brasil tem muito potencial de fazer com que toda essa cadeia de valores chegue ao consumidor final. A gente fez grandes investimentos no país, algumas aquisições, construímos uma fábrica completamente nova de proteína de soja em Campo Grande (MS), onde investimos US$ 250 milhões.
Qual o objetivo dessa fábrica?
É uma fábrica de complexo de soja, que está crescendo muito. Ela é para atender a nova tendência de consumidores se transformando em flexitarianos, diversificando a dieta com proteínas diversas. Muita gente ainda come a proteína animal, mas está tentando diversificar. Se falarmos só em ingredientes, é um mercado de US$ 10 bilhões globalmente hoje, mas que vai chegar a US$ 30 bilhões em 2030. No passado, esse mercado era para veganos, vegetarianos, mas não é mais. A gente fez uma parceria com a Marfrig, uma das maiores empresas globais de carne, criando a PlantPlus Foods. Lançamos recentemente hambúrguer, quibe, almôndega de carne moída no Brasil, com um enfoque de não ser apenas um produto de base vegetal, mas saudável.
Como vocês enxergam o flexitarianismo no Brasil?
Uma pesquisa apontou que 52% das pessoas que comem carne buscam diversificar proteínas. É muito semelhante em todos os países do mundo. E a Covid fez os consumidores ficarem mais preocupados com a origem dos alimentos e o bem-estar dos animais.
Que inovações surgem?
Empresas como a ADM estão inovando para tornar estes produtos mais saborosos. A ADM foi a empresa a lançar o primeiro hambúrguer vegetal do mundo, na década de 1980. Naquela época o hambúrguer era bom? Não! Mas hoje tem muita tecnologia, a gente faz pesquisas com aromas naturais, que mascaram sabores que não sejam desejados. Há novos ingredientes para que tenhamos uma boa composição nutricional, sabor, textura. No futuro, deveremos ter aditivos de saúde no próprio alimento, as pessoas não precisarão tomar vitaminas, isso estará no seu alimento.
Mas os produtos de base vegetal ainda são mais caros que os de origem animal…
Ainda é um mercado de nicho, premium. À medida que vai surgindo a "comoditização", a massificação deste mercado, a gente vai ter que olhar o preço, que vai ter que ser mais equiparado à proteína animal. Mas ainda não estamos neste momento e é difícil dizer quando vai ocorrer.
O Brasil pode se tornar um grande exportador de proteína vegetal, como é de carnes e grãos?
Sim. O nosso complexo em Campo Grande não está produzindo para o mercado local. Estamos exportando, inclusive para os EUA e Europa, inclusive produtos prontos.
Mas, neste mercado, sem as vantagens naturais óbvias em carne e grãos, não teremos mais concorrência?
Os mercados mais desenvolvidos são os de soja e de ervilha, mas estão avançando produtos como grão de bico e tremoço. O Brasil tem grandes chances de ser competitivo, mas vai ter competição de empresas diversificando fontes de proteína, criando mais marcas e produtos. Temos que pensar que essa concorrência pode ser boa. À medida que a categoria cresce, surgem novas oportunidades.
Mas qual o risco do Brasil ?
O país precisa investir muito em inovação e tecnologia. A gente tem a Embrapa, que precisa continuar o melhoramento genético das culturas com foco em nutrição humana. Hoje, soja e milho são muito focados em ração animal. Há muito espaço para crescer.
Mas e o custo para gerar maior valor agregado no Brasil?
Temos olhado como reduzir custo de produção, desde matéria-prima, práticas de produção que sejam mais sustentáveis e econômicas, novas tecnologias, mas eu diria que o Brasil ainda é muito tímido no âmbito global no setor.
Quem são os concorrentes?
De produtos acabados, há os EUA e muitos países na Europa, emergentes. No mercado de proteína vegetal, depois dos EUA, a nossa maior estrutura está no Brasil, é a nossa fábrica de Campo Grande, maior que nossa estrutura na Europa e na Ásia. A gente colocou o Brasil como segundo país de maior relevância para criar um complexo de proteína vegetal não apenas para atender o mercado local, mas para atender globalmente essa demanda crescente. E pensando em inovação: nosso centro global fica nos EUA, mas o nosso centro de inovação para a América Latina está em São Paulo. Pensando globalmente, vamos fazer expansão da estrutura de inovação no Brasil, e a gente vê São Paulo e seus arredores como um dos grandes centros inovadores do mundo.
E outras empresas, concorrentes?
A ADM e a Marfrig foram pioneiras. Depois que fizemos uma joint venture, a PlantPlus Foods, vemos mais empresas querendo entrar nesse movimento, de unir proteína vegetal e animal. A JBS é uma delas, com a compra da Vivera na Holanda. A própria BRF tem uma linha vegetal. E trabalhamos com elas, pois a ADM fornece os ingredientes para essas outras empresas que detêm as marcas finais.
Letícia Gonçalves/ Presidente de Global Foods da ADM