Empresário cresce no vácuo da lava-jato
O ocaso das empreiteiras tradicionais, engolfadas pela Lava-Jato, reformulou o mercado das obras ...
O ocaso das empreiteiras tradicionais, engolfadas pela Lava-Jato, reformulou o mercado das obras públicas no Rio de Janeiro. Do novo cenário, aquecido pela aproximação do ano eleitoral, desponta o nome do engenheiro Alessandro Carvalho de Miranda. Aos 49 anos e sem tradição no mercado construtor, ele é sócio de empreiteiras que angariaram alguns dos mais volumosos contratos do governo fluminense, da Cedae e de prefeituras irrigadas por royalties da Região dos Lagos. Seus negócios com esses clientes, de janeiro de 2020 a agosto deste ano, renderam pagamentos de mais de R$ 470 milhões.
Um dos motores dos negócios do empresário é a relação com a Cedae. Desde o ano passado, as empresas de Miranda firmaram quatro contratos com a companhia, no valor total de R$ 112 milhões. Com o governo do estado (Faetec e DER-RJ), as obras somaram R$ 25 milhões somente no primeiro semestre deste ano. Porém, o resultado mais notável envolve contratos com as prefeituras de Saquarema, Maricá, Cabo Frio e Búzios, na Região dos Lagos, que totalizaram R$ 367 milhões no período.
Dados obtidos pelo GLOBO em portais da Transparência revelaram que, até 2016, a relação de Miranda com as mesmas prefeituras era discreta. Naquele ano, suas empresas receberam de Búzios e Maricá R$ 44,9 milhões, enquanto Saquarema e Cabo Frio não efetuaram pagamentos. Em 2020, o valor quadruplicou: os quatro municípios pagaram R$ 206,6 milhões em contratos com a Land Serviços e Engenharia, a Ônix Serviços e a Eco Mundi Soluções Ambientais, suas três principais prestadoras de serviços públicos.
Sócio de 16 empresas nos setores de obras, empreendimentos imobiliários, produtos médicos e serviços, Miranda era até 2019 um construtor mediano. Apesar do tamanho, já apareceu em escândalos nacionais, como a Máfia dos Sanguessugas, em 2006, quando a Ônix Serviços, uma de suas firmas, foi citada no esquema de superfaturamento na venda de ambulâncias, e na Operação Favorito, no ano passado, mencionado como sócio de uma agropecuária que teve negócios com Mário Peixoto, empresário acusado de desvio de contratos na área de saúde fluminense.
Nomes da concorrência
Há dois anos, Miranda iniciou a escalada rumo ao topo das obras públicas ao mesmo tempo em que o Rio vivia um processo de renovação política, alavancado pela Lava-Jato, que levou para a prisão parte da elite dirigente do estado, e pela eleição de 2018.
Com mais de seis mil trabalhadores diretos e outros dez mil indiretos, Miranda tem ainda ex-funcionários da Delta Construções, da Odebrecht, da Queiroz Galvão, entre outras tragadas pelo furacão da Lava-Jato. Atualmente, está ampliando o braço construtor de seus negócios com a aquisição da Metropolitana, sua parceira em obra na Cedae.
Das 16 empresas, sete foram criadas a partir do ano eleitoral de 2018: Hotel Atlantic View, em 2018; Usitec, em 2019; A.C. de Miranda Engenharia, em 2019; Salinas Negócios Imobiliários, em 2020; Eco Mundi, em 2020; e Consórcio Guaratiba II, em abril de 2021.
As empresas de Miranda, nos contratos sociais, ostentam como objeto social atividades diversas. Seus negócios vão de coleta pública de lixo à venda de produtos odontológicos. Ele atua ainda nos ramos imobiliário e hoteleiro. Em São Paulo, abriu a OAK Comércio de Alimentos e Bebidas e Bistrô, loja de vinhos em parceria com um ex-diretor comercial da Cedae, que teve o nome envolvido no esquema de propina descoberto pela Lava-Jato no Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ).
O Consórcio Guaratiba II, mais recente investida de Miranda, uma parceria da Ônix com a Construtora Metropolitana, ganhou a concorrência da Cedae para obras de ampliação do abastecimento de água do Sistema Zona Oeste " Setor Guaratiba II, no valor de R$ 38,1 milhões. Em nada atrapalhou a decisão judicial de bloqueio das cotas (parcela de cada sócio) da Ônix por causa de ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra Miranda. Ele e mais quatro réus são acusados de desvio de recursos federais em obras de recuperação em Paracambi, na Baixada Fluminense, após as enchentes de 2001.
Ligações políticas
A principal acusação do MPF na ação se refere à transferência indevida de R$ 300 mil em recursos federais da Ônix para uma empresa que não participou do contrato. Estão com as cotas bloqueadas na ação, além da Ônix, a Land e a Produmed Produtos Médicos. Ex-prefeito de Paracambi, André Ceciliano, atual presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), é um dos cinco réus. Ceciliano, inclusive, é autor de um recurso que pede que a Justiça decrete a prescrição do caso, mas até o momento o agravo ainda não foi apreciado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Procurado, o presidente da Alerj disse que a diferença apontada na ação é de apenas R$ 32 mil e que "a empresa, inclusive, realizou o depósito integral do valor, em garantia ao juízo".
Miranda também foi próximo do ex-presidente da Alerj Paulo Melo, como sócio por sete meses do político na Mauá Agropecuária Reunidas. Investigações da Lava-Jato no Estado do Rio constataram que as empresas eram usadas por políticos e empreiteiros, em leilões de gado de raça, para a lavagem do dinheiro da corrupção. Natural de Silva Jardim, até hoje seu endereço fiscal, Alessandro Miranda, o Alê, começou como fornecedor de produtos médicos aos 17 anos, com a abertura em 1990 da Produmed Serviços Médicos.
Procurado pelo GLOBO, Miranda disse em nota que o crescimento dos seus negócios e sua competência estão " incomodando a concorrência". Ele atribuiu o sucesso profissional ao vácuo deixado pelas empresas tradicionais. Sua assessoria de imprensa negou ainda ligação com o empresário Mário Peixoto e envolvimento de Miranda com o escândalo dos Sanguessugas. "Ele jamais foi parte do processo e nem mesmo foi chamado para ser ouvido na fase das investigações", diz a nota.
Citados se defendem
A Cedae informou que os contratos celebrados com a Land e a Ônix foram formalizados de acordo com a Lei nº 13.303/2016 e com o Regulamento Interno de Licitações da empresa. Acrescentou que "não há contencioso judicial entre a Cedae e as empresas citadas. Também não há registro de bloqueio judicial nos extratos de conta corrente dos contratos com as empresas".
Em nota, o DER disse que a Ônix venceu o pregão 018/2020 "após a realização do exame de documentos e pareceres jurídico e de controle interno". A Faetec também afirmou ter cumprido todos os trâmites licitatórios para contratar a Land, que concorreu com mais de 30 empresas.
A prefeitura de Maricá informou que tem um contrato vigente com a Ônix e cinco com a Land, escolhidas por terem apresentado o menor preço. As duas empresas também atuam em Saquarema, que informou ter contratos para limpeza, varrição, roçada e pintura em vias públicas e praias; para a construção de um posto de saúde e de uma escola; e para a terceirização de mão de obra e equipamentos para serviços operacionais. Já a prefeitura de Cabo Frio confirmou ter um contrato com Ônix e um com a Ecomundi Soluções Ambientais. Búzios disse que os contratos com Ônix firmados na gestão passada estão em análise, mas que, "quanto à execução dos serviços, até a presente data, não existe qualquer ato que desabone a conduta da empresa".