Sábado, 27 de Abril de 2024

Incentivador das artes, teve papel fundamental no cinema novo

BrasilO Globo, Brasil 4 de febrero de 2023

OBITUÁRIO

OBITUÁRIO
Otto Lara Resende dizia que o banqueiro José Luiz de Magalhães Lins era "o amigo certo das promissórias incertas". O escritor e jornalista mineiro se referia ao apoio permanente dado às artes, ao cinema e às letras pelo banqueiro, que fez o Banco Nacional de Minas Gerais, que tinha apenas duas agências quando ele assumiu seu comando, se tornar, no auge, o segundo maior do país. O Nacional foi extinto em 1995, 23 anos após sua saída da instituição.
Aos 17 anos, José Luiz de Magalhães Lins começou a trabalhar no banco do tio, Magalhães Pinto. Assumiu o posto de diretor executivo em 1960.
"Durante dez anos, Magalhães Lins comandou o Nacional. Era um inovador. Abriu as salas dos gerentes das agências aos clientes. Concedia financiamentos a pessoas físicas e pequenas indústrias. Criou uma imagem popular para a empresa, tendo como símbolo o guarda-chuva. Sob a administração dele, o Nacional multiplicou o seu capital e se tornou o segundo maior banco brasileiro", conta Mario Sérgio Conti, em seu livro "Notícias do Planalto".
Simultaneamente, apoiava as artes. Foi fundamental para o florescimento do Cinema Novo, financiando algumas obras-primas, como "Vidas secas", de Nelson Pereira dos Santos; "Os fuzis", de Ruy Guerra; "A grande cidade", de Cacá Diegues; "Menino de engenho", de Walter Lima Jr.; "A falecida", de Leon Hirszman; e "O padre e a moça", de Joaquim Pedro de Andrade.
Carteira só para cultura
Seu papel no apoio ao Cinema Novo foi reconhecido por Glauber Rocha. O financiamento de Magalhães foi fundamental para a realização dos clássicos "Terra em transe" e "Deus e o Diabo na Terra do Sol". "O exemplo do sr. José Luiz Magalhães Lins é de extraordinária importância neste momento que vive o cinema brasileiro, o mais fértil de sua história, o mais definido pela qualidade cada vez maior de seus filmes", declarou Glauber no livro "Revisão crítica do cinema brasileiro".
Luiz Carlos Barreto, o Barretão, diretor de fotografia de "Vidas secas" e de "Terra em transe", além de produtor de "O padre e a moça", lembra que Magalhães Lins tinha uma carteira no Banco Nacional exclusiva para a cultura:
" Sem o Zé Luiz, o Cinema Novo não existiria. Ele foi o verdadeiro ministro da Cultura durante a ditadura, um ministro informal num governo paralelo. Não só financiou o Cinema Novo, como também escritores, pintores, peças de teatro " diz o produtor.
Segundo Barretão, além de uma carteira exclusiva para a cultura, havia um gerente especialmente designado para atender os cineastas, o Juarez.
"Nós conversávamos muito. O Zé Luiz era muito ligado em biografias de gente famosa, personalidades da História, da política e da cultura. Sempre que eu viajava, ele me encomendava livros sobre personalidades.
Ruy Castro também citou a importância do banqueiro em seu livro "Ela é carioca", de 1999: "Cada filme (do Cinema Novo) era um parto para ser rodado, e muitos deles não teriam existido se não fosse pelo Banco Nacional, leia-se José Luiz de Magalhães Lins, em empréstimos a perder de vista".
Cuidando de garrincha
"O auge do Cinema Novo foi após 1964. Ninguém foi incomodado. Essa foi minha maior façanha", resumiu o próprio banqueiro em entrevista à Folha de S.Paulo, em 20 de dezembro de 2020.
"Nos primeiros dias de abril de 64, Harold Polland, um grande construtor aqui do Rio, me telefonou e disse que queria que eu conversasse com o coronel Newton Leitão, o número 2 do general Golbery (no SNI)". O encontro ocorreu em um apartamento em Copacabana. "Ficamos nós dois ali umas três horas. Ele (Leitão) falou no Cinema Novo. Eu falei: ‘Isso aí eu queria que você não mexesse. Deixa por minha conta. Tem que dar um lugar para desaguar um pouco as mágoas’. Tanto é que eu não parei de dar financiamento para ninguém. E nunca ninguém foi incomodado. Todos os filmes foram feitos", complementou Magalhães Lins na mesma entrevista.
O empresário garantiu que nunca levou prejuízo ao emprestar para os cineastas: "Enquanto eu estive no negócio, ninguém deu prejuízo. Ninguém", afirmou à Folha.
Magalhães Lins ajudou grandes empresas brasileiras. Como diretor-executivo do Banco Nacional, foi o avalista de um empréstimo concedido ao jornalista e empresário Roberto Marinho, considerado fundamental para os primeiros anos da TV Globo. Tornaram-se amigos, Magalhães Lins e Marinho.
Magalhães Lins também chegou a ficar responsável pelas finanças de Garrincha, conta Ruy Castro no livro "Estrela solitária", sobre a vida do jogador. Os jornalistas Armando Nogueira, Sandro Moreyra e Araújo Netto, amigos de Garrincha, temiam pela desastrosa administração financeira do craque e o convenceram a deixar o banqueiro cuidar de suas finanças, recolhendo o dinheiro que tinha em casa para aplicar em ações.
Na casa de Garrincha, "encontraram dinheiro em gavetas, fruteiras, enfiado em velhos exemplares de "Mindinho"e "Reis do faroeste", debaixo de outros colchões e até caído por trás do fogão. Havia cruzeiros, libras, francos, liras, pesetas, coroas suecas, florins holandeses, moedas de toda a parte onde o Botafogo jogara nos últimos anos, além de soles e bolívares que já tinham deixado de valer. Havia também inúmeros cheques jamais descontados e muitos, muitos maços de notas de dólar", conta Castro no livro.
Mas a ajuda mais importante de Magalhães Lins foi salvar o craque da cadeia por deixar de pagar pensão alimentícia à ex-mulher Nair Marques, primeira esposa do jogador. O empresário quitou a dívida na época de 2.600 cruzeiros novos, momentos antes da prisão: "O oficial de Justiça já vestia o paletó para ir prender Garrincha quando um emissário de José Luiz de Magalhães Lins entrou na 6ª Vara e entregou ao juiz Áureo um cheque no valor de 2600 cruzeiros novos".
Avesso à publicidade e aos holofotes, Magalhães Lins não costumava frequentar festas nem viajar. Mario Sergio Conti, em "Notícias do Planalto", descreve o estilo do banqueiro: vestia ternos pretos, só bebia gim, com muito gelo, fumava charutos e só falava português.
"Dormia tarde, acordava cedo e lia muito, sobretudo jornais e revistas. Gostava de conversar com jornalistas, mas não dava entrevistas nem posava para fotos. Era um desconhecido dos leitores de jornais e revistas. Mas foi um dos homens mais influentes na imprensa carioca: a mais discreta das eminências pardas, amigo de Roberto Marinho, Nascimento Brito e Chagas Freitas, dono de O Dia", conta Conti no livro.
Apoiou ainda as artes plásticas, como conta Ruy Castro, ao financiar a Petite Galerie em Ipanema, que abriu acesso à classe média para comprar arte. Também apoiou jornais como Pif-Paf, de Millôr Fernandes, e A Última Hora, de Samuel Wainer. Além de ter ajudado Carlos Lacerda a abrir a Editora Nova Fronteira.
Magalhães Lins nasceu em Arcos, Minas Gerais, em 12 de abril de 1929. Depois que deixou o Banco Nacional em 1972, foi presidente da Light e do Banerj. Em 1980, tornou-se conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, onde ficou até 1999, quando se aposentou.
Magalhães Lins morreu ontem, aos 93 anos. A causa da morte não foi divulgada. Era casado desde 1961 com Nininha Nabuco, com quem teve cinco filhos: Cecília, Maria Cristiana, José Antonio, José Luiz Filho (morto em 2012) e João Paulo.
José Luiz de Magalhães Lins
banqueiro, 93 anos
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