Acusado de fraude nos eua é investigado por negócio no rio
Um brasileiro acusado nos Estados Unidos de uma fraude milionária é investigado no Rio sob ...
Um brasileiro acusado nos Estados Unidos de uma fraude milionária é investigado no Rio sob suspeita de ter participado de um golpe na compra de um dos maiores centros comerciais de moda do estado. Douver Torres Braga é réu na Justiça americana acusado de ter chefiado um esquema de pirâmide que lesou mais de cem mil pessoas em todo o mundo. Após o golpe vir à tona, em 2019, Braga deixou a Flórida, voltou ao Rio e comprou 50% do Feirão Moda Rio, o Feirão de Caxias, às margens da Rodovia Washington Luís. O vendedor era o fundador do empreendimento, Cyro Eckhardt Eloy, que tinha 95 anos. Atualmente, a aquisição é alvo de um inquérito da Polícia Civil: um dos filhos de Eloy alega que o pai estava acamado e senil e, por isso, teria sido vítima de estelionato.
Quem é o investigado?
Douver Braga é um empresário de 46 anos natural de Petrópolis, na Região Serrana do Rio, que começou a carreira vendendo equipamentos de som para carros em sua cidade natal. Ele enriqueceu, no entanto, quando começou a investir em bitcoins. Em 2016, quando já morava nos Estados Unidos, fundou o Trade Coin Club (TCC), empreendimento que prometia altos lucros a investidores a partir de transações com criptomoedas. Ele anunciava, em conferências ao redor do mundo, que sua empresa havia criado um robô que fazia "milhões de microtransações" com bitcoins a cada segundo. O software, segundo Braga, garantiria um retorno mínimo diário de 0,35% aos investidores. "Temos um sistema que é o primeiro do mundo, o primeiro robô do mundo a operar no comércio de criptomoedas", anunciou Braga, num vídeo publicado no YouTube em dezembro de 2016.
A propaganda atraiu mais de cem mil investidores que aportaram 82 mil bitcoins, avaliados em US$ 295 milhões (cerca de R$ 1,4 bilhão), no negócio. No entanto, para a Comissão de Valores Mobiliários americana (SEC, na sigla em inglês), que investigou o caso e moveu uma ação civil contra Braga no Tribunal do Distrito Oeste de Washington em novembro passado, o TCC era um "esquema fraudulento internacional".
O que aconteceu nos EUA?
A SEC acusa Braga de ter enganado os investidores e ficado com boa parte do dinheiro. "Pelo menos 8.396 bitcoins, no valor de US$ 55 milhões (cerca de R$ 264,5 milhões) na época, foram transferidos do TCC para endereços controlados por Braga em plataformas de criptoativos", descreve a petição protocolada pela SEC na Justiça Federal americana, obtida pelo GLOBO. Segundo a investigação, o TCC era um esquema de pirâmide: os "lucros" dos investidores vinham inteiramente dos depósitos feitos por outros aliciados " e não das propagadas atividades de negociação do robô. A SEC quer que Braga devolva tudo o que ganhou ilicitamente no esquema e ainda pague multas. Até hoje, no entanto, ele não se apresentou à Justiça americana para responder ao processo.
O que ele fez ao voltar?
Em 2018, menos de dois anos depois de sua criação, o TCC colapsou: enquanto investidores começavam a reclamar que não conseguiam recuperar seu dinheiro, Braga deixou a empresa, voltou ao Brasil e passou a se dedicar a passar uma imagem de benfeitor nas redes sociais. Em várias fotos da época, ele aparece posando cercado de crianças e entregando doações arrecadadas pela Click4HelpKids, ONG que ele mesmo fundou paralelamente ao declínio do TCC. "Nós distribuímos 13 toneladas de alimentos, mais de 800 agasalhos e 450 pares de tênis. Isso é um pouquinho do que a gente pode fazer através da nossa ONG", afirmou Braga num vídeo feito durante um evento que organizou na favela de Rio das Pedras, em julho de 2018.
Quanto custou o feirão?
Em outubro do ano seguinte, já instalado no Brasil, o empresário resolveu investir em novos empreendimentos. Após se apresentar a Cyro Eloy, fundador do Feirão de Caxias " que abriga mais de 500 lojas ", como um milionário residente nos Estados Unidos, Braga fechou a compra de suas cotas no empreendimento (50%) por R$ 15 milhões. Num novo acordo em novembro do ano seguinte, ele ainda conseguiria melhorar as condições do negócio: com a justificativa de que o Feirão tinha dívidas, o idoso, já com 96 anos, receberia somente R$ 10 milhões ao todo. Como Cyro estava acamado e com sérios problemas cardiorrespiratórios, o segundo acordo sequer foi assinado por ele, mas sim por um advogado. O idoso morreu pouco mais de um mês depois.
No final de 2020, quando Cyro ainda estava vivo, Antônio Luiz Garcia Eloy, seu filho caçula, procurou a Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa da Terceira Idade (Deapti) para denunciar que o pai estava "muito doente e com as faculdades mentais comprometidas" quando assinou o contrato e que ele teria sido induzido a vender o Feirão "de forma fraudulenta".
" Meu pai foi induzido a vender seu bem mais precioso, que constituía 94% de seu patrimônio, para um estelionatário. Esta foi uma decisão que ele jamais teria tomado se estivesse em plenas condições de saúde física e mental " afirma Antônio Eloy.
Num documento registrado em cartório e anexado ao inquérito da Deapti, uma funcionária de Cyro alega que o patrão "não sabia mais distinguir o que era mil ou milhão" quando assinou a venda do Feirão. Segundo a Polícia Civil, o inquérito que investiga o crime de estelionato contra o idoso foi remetido ao Ministério Público "após diversos depoimentos". O procedimento deve ser remetido de volta à delegacia no próximo mês para mais diligências.
Como foi o pagamento?
A compra do Feirão por Braga também despertou outra suspeita em Antônio, que é inventariante do espólio do pai: ele percebeu que o empresário usou uma miríade de contas vinculadas a dez empresas diferentes para fazer o pagamento " e só uma delas tinha Braga em seu quadro societário. Ao todo, 30 transferências foram realizadas para pagar os R$ 5 milhões referentes à primeira parcela da compra. Depois, Cyro Eloy recebeu mais R$ 5 milhões. As informações foram levadas por Antônio à Polícia Federal, que abriu outra investigação contra Braga por lavagem de dinheiro. Procurada, a PF alegou que "não divulga informação sobre eventuais investigações em andamento".
O GLOBO tentou contato, por ligação e por mensagem de texto, com dois advogados que já representaram Braga em processos judiciais. Nenhum deles respondeu. Num processo movido por Antônio Eloy para anular a venda do Feirão, a defesa do empresário argumenta que Cyro Eloy "estava em total capacidade para os atos da vida civil e tinha a liberdade para executar qualquer contrato que lhe conviesse". Braga não foi localizado.