As consultorias infantilizam o poder público
Entrevista
Entrevista
Autora de "A grande falácia: como a indústria da consultoria enfraquece as empresas, infantiliza governos e distorce a economia" (Portfolio-Penguin), coescrito com Rosie Collington, a professora italiana do University College London argumenta que, em vez de agregar valor, as firmas do segmento precarizam o Estado e perpetuam problemas socioeconômicos.
Mariana é uma das mais influentes economistas entre círculos progressistas globais, tendo como interlocutores personalidades que vão de Bill Gates ao Papa Francisco. O Instituto UCL de Inovação e Propósito Público (IIPP), fundado e dirigido por ela, colabora com o governo brasileiro em temas como transição ecológica e política industrial.
Como sua pesquisa sobre o Estado chegou às consultorias?
Em 2013, escrevi "O Estado empreendedor" não para glorificá-lo, mas porque ele tem sido maltratado na teoria econômica e no mundo real. Um Estado inteligente, imbuído de missões, precisa de capacidade. Mas ela tem sido dizimada pela ideologia de que o melhor que o Estado pode fazer é corrigir falhas de mercado, em vez de moldar o futuro. Isso cria a profecia autorrealizável de que a criação de valor está apenas no setor privado, abrindo a porta para as consultorias.
Por que a senhora as classifica de "grande falácia"?
Meu problema não é com a consultoria em si, mas com o fato de que, em geral, elas agregam pouca expertise, pois não têm conhecimento profundo sobre as áreas em que atuam. E, mesmo que agregassem, há conflitos de interesse: afinal, elas têm pouco incentivo para aumentar a capacidade do Estado porque não querem perder o próximo contrato. Muitas vezes estão dos dois lados da mesa.
Mas o Estado tem o conhecimento necessário?
Muitas vezes, sim. Olhe como a expertise da academia financiada com dinheiro público é desprezada. Na Austrália, pagaram US$ 6 milhões à McKinsey por uma estratégia climática péssima, mas o país tem um dos melhores centros de estudos sobre o clima no mundo.
Por que as consultorias infantilizam o Estado?
Foi uma citação do ex-ministro conservador britânico Theodore Agnew, ao ver que o governo do Reino Unido gastou 1,5 milhão de libras por dia para a Deloitte criar um programa de testagem e rastreamento da Covid. Foi, claro, um fracasso. Isso infantiliza o Estado porque não permite que ele lide com os problemas cruciais do nosso tempo.
Essa indústria deve seu vigor hoje à expansão nos anos Reagan e Thatcher?
Foi nesses governos conservadores, que não tinham um entendimento real sobre o propósito do setor público, que a porta foi amplamente aberta. Mas continuou mesmo em governos progressistas, como o de Tony Blair. Eles acreditavam no governo, mas, se você não tem uma teoria diferente sobre o valor do setor público, acaba trazendo métricas do setor privado para dentro, como análise de custo-benefício etc.
E por que isso é ruim?
Porque são métricas estáticas, não métricas dinâmicas capazes de calcular os desdobramentos sociais dos gastos do Estado. E como são o feijão com arroz das consultorias, a porta fica aberta para elas.
Qual é o impacto nos negócios?
Muitos executivos preferem se eximir da responsabilidade de suas decisões, dizendo que foi a Deloitte, por exemplo, que recomendou um programa de recompra de ações, ou que foi a McKinsey que mandou demitir metade dos funcionários. É uma covardia que os exime de debater com os sindicatos, por exemplo.
A senhora é próxima do governo brasileiro. Como avalia a participação das consultorias nas políticas públicas aqui?
Através do meu instituto, ajudamos o governo na transformação ecológica, para garantir que ela seja interministerial e intersetorial. Nos últimos dias, soube que setores da economia estão trabalhando com grandes consultorias justamente para argumentar na direção oposta. Consultorias como a McKinsey foram contratadas para ajudar na reconstrução do Rio Grande do Sul. Não estou aqui para julgar se estão fazendo um bom trabalho, mas para questionar se a expertise delas é necessária e, principalmente, capaz de não apenas resolver o problema, mas evitar que ele se repita.
Como a senhora avalia a implementação do projeto de transição ecológica do governo Lula?
O fato de a transição climática estar sendo tratada no Ministério da Fazenda é muito importante. No entanto, o caráter interministerial não está necessariamente acontecendo aqui. Esse é o maior desafio para o Brasil hoje.
Quais são os caminhos para reduzir a dependência de consultorias?
A solução não está em bani-las, mas trabalhar para que o Estado não precise mais delas. Se você está em terapia a vida toda, provavelmente deveria trocar de terapeuta! É redesenhar os contratos para que prevejam a transferência de expertise, fortalecer o serviço público etc.. Também é crucial que haja mais transparência, que o cidadão saiba que o governo contratou um consultor para fazer a estratégia climática que, ao mesmo tempo, trabalha com as petroleiras.
Mariana Mazzucato, economista