Lunes, 30 de Junio de 2025

‘Não aguentava mais me sentir estacionada’

BrasilO Globo, Brasil 1 de agosto de 2024

Torca por mim Mafê Costa NATACÃO Torça por mim Mafê Costa NATAÇÃO

Torca por mim Mafê Costa NATACÃO Torça por mim Mafê Costa NATAÇÃO
Iniciei minha carreira como nadadora federada em 2016, mesmo ano em que Etienne Medeiros recolocava a natação feminina do Brasil em uma final olímpica após oito anos (nos 50m livre). Desde Pequim-2008, com Gabriella Silva, sétima colocada nos 100m borboleta, o Brasil não conseguia a classificação a uma decisão olímpica. Agora, já são mais oito anos desde a prova de Etienne. E o que posso garantir é que não estou aqui em Paris para participar. Vim para chegar à final dos 400m livre (conseguiu e foi sétima colocada), dos 4x200m livre (compete hoje, a partir das 7h05) e sonhar com o pódio. Estou treinada, confiante e tenho o melhor técnico do Brasil, Fernando Possenti.
Deve ter sido surpresa para muitos o protagonismo feminino no Mundial de Doha, em fevereiro. Fui a quatro finais e fiquei em quarto lugar nos 400m e nos 4x200m, além de ter quebrado três recordes sul-americanos. Os tempos que fiz no Catar me colocam em boa posição.
Uma mulher como destaque? Algo raro na modalidade. No ciclo de Tóquio-2020, ou seja, "ontem", teve o episódio da Missão Europa, quando apenas atletas homens foram treinar no exterior. Nadadoras e ex-nadadoras fizeram uma revolução, e algumas medidas começaram a ser tomadas. Foi o começo.
Atletas incríveis, que brigaram por espaço, abriram caminho. Fui inserida nesse ambiente com meio caminho andado. E, se é difícil para mim, imagino como foi para elas. É fato que ainda existe uma boa estrada a percorrer. Mas, falando por mim, quando penso no planejamento e no suporte que tenho, e no que quero conquistar, a valorização da natação feminina vai aumentar. Vou chegar lá e posso ser exemplo. O esporte vive de exemplos.
Nossa geração é menos do embate. Não comparamos conquistas com os homens, focamos na evolução. Caímos na piscina e buscamos resultados, independentemente se serão melhores ou não do que os resultados masculinos. Nossa competição é contra os tempos a serem batidos, é contra o relógio.
TRÊS MINUTOS DECISIVOS
Para chegar aqui tive de recorrer ao Fernando Possenti, com quem treino há apenas um ano e meio. Não aguentava mais me sentir estacionada. Queria, desde sempre, disputar Olimpíada. Quem entra no alto rendimento e se esforça nesse nível não pode querer outra coisa. Então, resolvi fazer algo por mim mesma.
Procurei o Fernando, único brasileiro a ter uma medalha de ouro olímpica, com a Ana Marcela Cunha, em águas abertas, e que hoje treina as melhores atletas de piscina do país. Cismei com isso.
Tomei a decisão depois de não ter me classificado para Tóquio-2020. Me dei um prazo para melhorar os resultados. Se não acontecesse, ia estudar no exterior ou mudar de treinador. Hoje, entendo que meu antigo time não estava no mesmo foco. Só eu queria aquelas metas.
Tentei ir para Tóquio e estava preparada para a seletiva em 2020. Mas os Jogos foram adiados por causa da Covid-19. No fim daquele ano, tive um problema de saúde, um susto que me deixou fora da água por três meses. Minha recuperação precisava ser lenta e com monitoramento contínuo do meu ex-treinador.
Tive medo, mas a vontade de ir para Tóquio-2020 era enorme. Com acompanhamento médico, fui indo, indo, e, enfim, chegou a seletiva. Não estava segura. Tinha o sexto tempo dos 200m livre e tentei entrar no 4x200m livre. Não deu, fiquei bem triste. Foi a gota d’água.
Lembro-me bem da conversa com o Fernando, no fim de 2022. Eu não tinha contato com ele, só com as atletas dele. E o abordei na maior cara de pau, após um treino. Ele disse que só tinha três minutos para conversar. Ia a um compromisso. Então, na lata, eu disse que queria treinar com ele. O Fernando me perguntou quais eram meus objetivos e se eu estava disposta a pagar o preço. Nem perguntei qual era o preço e respondi que sim. Depois, pensei: "Meu Deus, acho que vou treinar tanto que vai doer pacas".
Minha vida esportiva se resume a a.F. e d.F.: antes de Fernando e depois de Fernando. Antes, só entrava na piscina e nadava. Depois, passei a entender o que posso fazer. Sei que para cada prova há uma maneira de nadar, uma estratégia. O Fernando me ensina vários jeitos de nadar até a mesma prova. Confio cegamente. O que ele fala, acontece.
Não sabia e fui aprender com ele que tenho liberdade de frequência, facilidade para mudar a frequência da braçada sem perder a coordenação com o batimento de perna. Ajusto de acordo com a estratégia. É sempre surpresa o que farei numa competição ou treinamento. E o fato de não fazer nada igual me dá a certeza de que estou evoluindo.
Com ele, fui campeã nacional, do Troféu Brasil, pela primeira vez: no Recife, nos 200m borboleta, prova que eu nem treinava mais. Ele me disse qual era a estratégia, e fiz. Foi mais fácil do que imaginei. Em pouco tempo, abaixei meus tempos vertiginosamente. Nos 400m, foram 15 segundos. E ainda tenho margem para melhorar...
DISPOSTA A ENCONTRAR CAMINHOS
Além da parte esportiva, tem o lado mental. Gosto que ele me acompanhe. Por isso, ele está conectado à minha psicóloga. Faço terapia há quatro anos, e a Ruth Veloso e o Fernando se falam quando sinalizo que gostaria que trocassem informações. Essa combinação me dá confiança e foi fundamental para a preparação em altitude, em Serra Nevada (mais de 2 mil metros), na Espanha, de olho em Doha. Treino, aliás, que paguei com meu salário (da Unisanta). Diferentemente do que ocorreu com outros atletas, homens, do grupo.
Sou bem chata com treino, não consigo treinar mal. E, quando acontece, o Fernando me chama para conversar. Ele tem uma cadeira ao seu lado, na borda da piscina, para quem quiser desabafar. Tenho dificuldade de me abrir, de falar de sentimentos, mas isso não existe com ele. Saio dessas conversas disposta a encontrar caminhos.
No início do nosso trabalho, não sabia se daria conta do que ele me pediria. Hoje, sei que consigo fazer qualquer coisa. Tenho confiança em mim, nele e, principalmente, no processo. Talvez não estivesse pronta para Tóquio porque a minha Olimpíada é com o Fernando. Tinha certeza de que ele me traria a Paris. E cá estamos para fazer História.
(*Nadadora, em depoimento à repórter Carol Knoploch)
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