Vale a pena investir em títulos de dívida de empresas?
Em meio a um cenário de alta dos juros, as taxas de retorno oferecidas pelos títulos de dívida de ...
Em meio a um cenário de alta dos juros, as taxas de retorno oferecidas pelos títulos de dívida de empresas, como as debêntures, atingiram o menor patamar desde 2022. Quanto maior a demanda por esses ativos, menor tende a ser a taxa oferecida pelos papéis.
Conforme levantamento feito pela POP, empresa da Luz Soluções Financeiras, de janeiro a julho deste ano, o volume de negociação desses títulos cresceu 62% sobre o mesmo período do ano passado, saindo de R$ 247,2 bilhões para R$ 400,5 bilhões. Assim, a diferença entre o retorno de um título de crédito privado e a taxa de um título público de prazo equivalente caiu para 1,19% ao ano, menos da metade dos 2,67% registrados em 2023.
As empresas oferecem ao investidor esse retorno extra (o spread) porque parte-se do princípio que companhias privadas têm risco maior de um calote do que o governo brasileiro, que emite os títulos públicos comprados pelas pessoas físicas no sistema do Tesouro Direto. Houve, portanto, um aumento considerável nas negociações de debêntures que, consequentemente, levou a uma redução das taxas oferecidas pelos títulos. E é exatamente aí que mora o perigo.
Para Odilon Costa, estrategista de renda fixa do Grupo SWM, o atual nível das taxas deve ser visto como um ponto de atenção.
" Estamos vendo os prêmios (ou seja, essa diferença entre o que é pago pelo papel privado e pelo público) abaixo da média histórica e, ao mesmo tempo, entrando em um ciclo mais complicado de crédito para as empresas, dado que os juros do país devem subir ainda mais nos próximos meses " diz.
busca por renda fixa
Existe um movimento natural dos investidores em direção aos ativos de renda fixa, menos arriscados. Com juro básico em dois dígitos ao ano, é mais seguro garantir um retorno próximo à Selic e com menos risco, em tese, do que se jogar nas incertezas da renda variável.
Além da alta dos juros, Rafael Bellas, coordenador de produtos da InvestSmart XP, lembra que no início do ano o Conselho Monetário Nacional (CMN) mudou as regras para emissão de títulos imobiliários e do agronegócio. A decisão do colegiado acabou espremendo os retornos.
" Restringiram as empresas que podem emitir e o prazo de liquidez desses papéis, tornando mais escassa sua emissão e fazendo o investidor comprar mais no mercado secundário (ambiente no qual ocorre a compra e venda direta entre investidores). Com esse grande fluxo comprador, os retornos desses títulos foram caindo " explica Bellas.
Ele destaca que o mercado passa por um período de resgate nos fundos multimercados, que apresentam desvalorização. E boa parte desse dinheiro caminhou para fundos de renda fixa (exatamente aqueles que investem em crédito privado). Ou seja, cresceu a procura, mais um motivo para os retorno dos títulos privados caírem.
Felipe Novaes, sócio da Polo Capital, explica que é comum os gestores buscarem títulos de empresas de maior qualidade, classificados como high grade, no jargão do mercado, o que significa que a empresa emissora do papel cumpre com suas obrigações financeiras, é boa pagadora e tem risco de crédito baixo:
" Como os fundos com maior liquidez investem em títulos com menos risco de crédito, os primeiros papéis que tiveram as taxas de retorno muito "amassadas" foram, justamente, os de empresas que carregam uma boa reputação.
Outros fundos de crédito privado investem em títulos com um pouco mais de risco, nomeados de high yield. Esses papéis, por embutirem um risco maior, costumam ter uma taxa de retorno mais alta. Como a demanda por crédito privado segue a todo vapor, os fundos estão aumentando a exposição em ativos mais arriscados e, consequentemente, até os ganhos com esses papéis estão menores.
Com o mercado mais apertado, alguns fundos já estão optando por adicionar ativos mais arriscados no portfólio para entregar um resultado mais atraente aos investidores. Mas esse movimento pode ser perigoso porque, em certa medida, aumenta o risco do fundo.
" O investidor deve ser muito mais seletivo do que antes e, principalmente, saber diferenciar o joio do trigo num cenário em que as taxas dos papéis bons e ruins estão todas muito comprimidas e parecidas " ressalta Odilon Costa, estrategista de renda fixa do Grupo SWM.
IMPACTO DA SELIC
Os analistas recomendam mais rigor na análise diante do cenário atual de aumento de juros, mas não descartam totalmente a compra de títulos de crédito privado. Se o objetivo é garantir um retorno acima da inflação, pondera Costa, há de se pensar no investimento em títulos de crédito privado isentos de Imposto de Renda.
Mas é preciso ficar atento aos riscos. Em vários momentos, a maior demanda pelos títulos das empresas e a redução nas taxas de retorno fizeram com que tais papéis deixassem de refletir o real risco de crédito das companhias.
Trocando em miúdos: empresas com perfis muito mais arriscados passaram a ter seus papéis pagando retornos que eram condizentes com companhias muito mais sólidas, um perigo para os investidores mais desavisados que podem investir em empresas muito mais arriscadas achando que estão comprando papéis de maior qualidade. Isso sem contar que a Selic mais alta tende a acertar em cheio os balanços das companhias, em especial daquelas mais endividadas, tornando-as ainda mais arriscadas do que já eram.
" Contar com a ajuda de um profissional é minimamente recomendável, sobretudo porque envolve análise de risco de crédito de títulos com prazos muito longos, com vencimento em dez anos, ou até mais em alguns casos " alerta Novaes.