Trump deve liberar ia, mas manter pressão sobre big techs
Além de influenciar o mundo em questões como migração, política comercial e acordos ...
Além de influenciar o mundo em questões como migração, política comercial e acordos climáticos, as decisões de Donald Trump de volta à Casa Branca também podem moldar o desenvolvimento da inteligência artificial (IA). Promessas de frear a regulação ajudaram o republicano a angariar apoios de peso no Vale do Silício, para além de Elon Musk, mas os efeitos que o novo mandato conquistado por Trump na semana passada terão nas gigantes da tecnologia que protagonizam a corrida da IA vão além da desregulamentação.
Na campanha, o republicano já havia deixado claro que afrouxaria as regras criadas pela administração de Joe Biden para impor limites éticos e de segurança à IA. Trump sinalizou que cancelaria no "dia 1" o decreto do atual presidente. Citou a ameaça à "liberdade de expressão", um pilar do discurso da extrema-direita contra a retirada de discursos de ódio ou com informações falsas das redes sociais. O presidente eleito também indicou que vê os limites impostos pelo governo democrata como um obstáculo que emperra a inovação e impõe "ideias radicais de esquerda" ao desenvolvimento tecnológico dos EUA.
Esta é uma ideia repetida há tempos por um dos principais fiadores da campanha de Trump, Elon Musk, definido pelo próximo presidente dos EUA como um "cara incrível". O bilionário se tornou uma espécie de conselheiro informal do futuro presidente. Dono da xAI, que pretende concorrer com a OpenAI (criadora do ChatGPT), Musk costuma acusar modelos populares de IA e seus filtros de serem "politicamente corretos".
Competição com a China
A visão combina ainda mais com Trump se considerada a disputa comercial e tecnológica com a China, um tema mais que caro ao republicano. O eleito deve partir do caminho pavimentado por Biden em relação a restrições à China nessa seara, com políticas para impedir o acesso de Pequim a componentes críticos para o desenvolvimento da IA, como semicondutores e GPUs. É um dos poucos temas em que os dois concordam.
Pedro Henrique Ramos, fundador e diretor executivo do centro de pesquisas Reglab, especializado em tecnologia e regulação, lembra que, na cruzada de Trump contra a crescente influência global da China, permitir a expansão de negócios de IA com menos regras pode ser uma forma de garantir a liderança americana nessa fronteira tecnológica:
" Muitas ações de Trump devem se basear na retórica da guerra comercial com a China. Nesse sentido, ter ao lado dele grandes empresas de tecnologia, que são bem estruturadas, é um ativo geopolítico. Se reduzir a capacidade dessa indústria, também reduz as armas que teria para competir com grandes empresas chinesas.
Se Trump realmente escolher essa tática, haverá repercussões para além dos EUA, ressalta Vicente Bagnoli, professor de Direito da Concorrência da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pesquisador visitante do Instituto Max Planck de Inovação e Concorrência. Ele avalia que a tendência do segundo governo Trump é de menos intervenção nos negócios:
" Comparando com a forte regulação do tema na União Europeia, isso (desregulamentação da IA) pode significar uma vantagem competitiva para empresas americanas em relação às europeias e de outros países. Por outro lado, em qual medida isso pode afetar o bem-estar da sociedade é algo a ser avaliado e acompanhado.
Situado na Califórnia, um estado que é considerado bastião progressista nos EUA, o Vale do Silício geralmente apoia candidatos democratas. Mas, neste ano, além de Musk, outros magnatas do berço das big techs embarcaram na campanha trumpista atraídos pela promessa de menos regulação e impostos. O megainvestidor Marc Andreessen, que lidera a firma de capital de risco mais importante do setor, e Peter Thiel, cofundador do PayPal e um dos primeiros investidores do Facebook, foram alguns dos principais nomes.
" O apoio da indústria de venture capital (investimento de risco) foi maior nessas eleições, até porque muitos desses fundos estão comprados justamente em ativos de IA e criptomoedas, com um portfólio de empresas que pode se beneficiar da menor regulação " avalia Ramos.
O republicano também vem prometendo dar mais liberdade para o desenvolvimento do mercado de moedas digitais. Sua vitória levou a cotação do Bitcoin a bater recorde.
Vance é crítico
A atração dessas figuras do mundo da tecnologia também reflete a influência de J.D. Vance, futuro vice-presidente dos EUA e ex-executivo da indústria de capital de risco. O republicano é um crítico das regulações de IA, mas também do poder concentrado das big techs. Para Vance, as regras atuais desse mercado tendem a beneficiar as gigantes de tecnologia em detrimento de pequenos negócios. Uma dos pontos de dúvida sobre o novo governo é como ficarão os casos antimonopolistas contra gigantes como o Google, que avançaram no governo Biden.
Trump tem um histórico de críticas contra empresas como a Meta, que chegou a suspender suas contas em redes sociais. O presidente eleito considera as big techs muito poderosas. Em seu primeiro governo, ensaiou um cerco aos monopólios delas. Um paradoxo surge para o seu novo mandato: enquanto acena com a desregulamentação da IA, terá poder para pressionar alguns dos conglomerados de tecnologia com as agências governamentais antitruste.
" É justamente no primeiro governo Trump que se observa a retomada das autoridades de concorrência dos EUA, como Comissão Federal de Comércio (FTC) e o Departamento de Justiça (DoJ), na repressão às big techs, algo que não se via há anos no país " lembra Bagnoli.
Maria Irene Jordão, analista global da XP, diz que a corretora enxerga Trump como "potencialmente mais negativo" para as big techs que o "consenso" favorável do mercado, justamente pela postura que o republicano poderá adotar nos casos antimonopolistas.
Indicados por Biden, Lina Khan chefe da Comissão Federal de Comércio (FTC) e Jonathan Kanter, procurador-geral adjunto da divisão antitruste do Departamento de Justiça (DoJ), têm liderado processos contra Meta, Amazon e Apple. No DoJ estão dois que questionam o domínio do Google nas buscas e as práticas da empresa em publicidade. Trump já criticou fortemente o Google, mas, sobre o processo de monopólio que poderia levar a uma cisão da empresa, sugeriu que a saída deveria ser a garantia de práticas justas, e não uma divisão forçada.
Lina Khan, que já foi criticada por Musk e elogiada por Vance, deve deixar o cargo no novo governo. Especialistas avaliam que a saída possa ser um ponto de inflexão na atuação da FTC. Para Bagnoli, Trump deve recuar no movimento "hiper-antitruste" da gestão Biden, mas isso não significará que as big techs "deixarão de ser acompanhadas de perto pelas autoridades de concorrência".
custos mais altos
Além de menos regulação e impostos, sem abandonar as incertezas em relação a seus monopólios, a indústria de tecnologia também deve sentir impactos da política econômica de Trump. O futuro presidente promete impor mais barreiras comerciais a importados, sobretudo com aumento de tarifas sobre manufaturados chineses, o que provocará alta nos custos do setor.
Em relatório de setembro, o Barclays apontou que a indústria de tecnologia estava entre aquelas "em maior risco" com a vitória de Trump, em razão da "forte dependência das cadeias de suprimentos globais". William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, concorda que o primeiro efeito do protecionismo trumpista deve ser um aumento dos custos para a indústria de tecnologia, apesar de ela ganhar por outro lado com um provável corte de impostos.