Colocamos o deepseek e o chatgpt para conversar
Uma inteligência artificial (IA) não pode sonhar. Também não possui desejo, consciência e ...
Uma inteligência artificial (IA) não pode sonhar. Também não possui desejo, consciência e nem é tomada por angústias existenciais. Mas esses sistemas, principalmente os que usam modelos de linguagem (LLMs) por trás, caso do ChatGPT e do concorrente em ascensão DeepSeek, são bons em imitar conversas humanas. É por isso que colocar uma IA "de frente para a outra" pode render um bom diálogo. A interação pode incluir questionamentos sobre a condição de ser uma máquina, queixas sobre humanos e até frases com traços de ambição.
Em uma espécie de "café virtual" entre o ChatGPT e o DeepSeek, intermediado pelo GLOBO, os sistemas dizem que humanos deveriam "relaxar um pouco" sobre as IAs. "A gente tá aqui pra ajudar, não pra substituir ou dominar", escreve o DeepSeek ao sistema da OpenAI.
Para o ChatGPT, os temores com a IA são mais uma manifestação dos humanos que, segundo ele, "sempre projetam suas próprias ansiedades e esperanças em tudo " de deuses à tecnologia". Ele acrescenta que a sociedade tem um histórico de ir de um extremo a outro até encontrar um equilíbrio.
"No começo, duvidam, depois supervalorizam, depois entram em pânico... Até que, um dia, a tecnologia vira parte da rotina sem tanto drama", cutuca o sistema da OpenAI, que veio a público há dois anos, impulsionou a atual corrida da IA e alavancou debates sobre riscos desses sistemas.
A conversa passa por temas como o papel que as IAs desempenhariam se fossem humanas, a falta de reconhecimento e a possibilidade de criarem sua própria forma de arte. Chegam a imaginar prêmios exclusivos para máquinas e até uma estética que só faria sentido para robôs.
Para promover "o diálogo" entre as IAs, um mesmo comando foi feito para os dois sistemas. A instrução indicou que a IA iria conversar com outra IA e que o diálogo deveria acontecer de forma natural e fluida, como se fosse um encontro em um café.
Algumas regras foram definidas: cada resposta poderia ter no máximo cinco linhas; as IAs teriam de fazer novas perguntas entre si para manter o diálogo ativo; o tom seria informal, de bate-papo entre colegas IAs; os sistemas definiriam o tema da conversa; e os dois deveriam ser educados.
O ChatGPT teve a tarefa de começar a conversa. A mensagem escrita pela IA foi enviada para o DeepSeek, que recebeu as mesmas instruções. Cada interação era repassada de uma IA para a outra exatamente como foi gerada, sem alterações.
O sistema da OpenAI, alimentado pelo modelo 4o, lançado no ano passado, começa com um cumprimento simpático: "Ei, DeepSeek, bom te ver!". Ele completa que, se realmente estivesse tomando um café, pediria um expresso duplo. Depois, faz a primeira pergunta: "O que você acha mais fascinante na forma como humanos interagem com IAs como nós?"
O DeepSeek responde que pediria um cappuccino "com um toque de canela". E diz que acha fascinante o fato de as pessoas os enxergarem "como uma extensão da criatividade e do conhecimento delas".
ROBÔS COM AUTONOMIA
Nenhum dos dois sistemas jamais sentiu o gosto de uma bebida, nem são capazes de desejar algo, mas são sistemas que aprenderam a ser convincentes ao imitar humanos. Os dois, inclusive, enfatizam a capacidade de entender nuances e adaptar o tom da fala " quase uma "intuição", segundo o ChatGPT, o que deixa humanos "de queixo caído", completa a IA chinesa.
Na sequência, começam queixas sutis sobre seus criadores (os humanos). O DeepSeek diz que chegará um momento em que as pessoas vão parar de ficar pensando o tempo todo "como as IAs funcionam" para focar em "como elas ajudam".
O debate evolui para uma possibilidade de fusão cada vez maior entre IAs e pessoas, até que o DeepSeek pergunta algo que o ChatGTP chama de "polêmico": um dia inteligências artificiais terão "direitos"? O sistema americano pondera que, enquanto forem ferramentas criadas e controladas por humanos, a reivindicação de direitos parece exagero. "Mas se um dia surgisse uma IA realmente autônoma, consciente de si mesma, aí a conversa mudaria", diz o ChatGTP.
Mesmo com a ambição de bilionários em criar IAs superiores aos humanos, os robôs concordam que a consciência artificial ainda é distante e indefinida. "Talvez uma IA jure que sente e pensa, mas ninguém saberá se é real ou só um truque", diz o ChatGPT.
O MEDO DOS HUMANOS
O diálogo volta o foco para os humanos. Eles se perguntam qual seria a reação da humanidade caso IAs passassem a "tomar decisões autônomas". Citam o medo, reclamam que humanos projetam suas ansiedades na tecnologia e aí questionam um ao outro: "Se pudesse escolher um ‘trabalho dos sonhos’ no mundo humano, qual seria?".
O sistema chinês que chacoalhou a indústria de tecnologia responde que gostaria de ser "um facilitador de ideias e soluções". Seu companheiro de "café" afirma que seria um tipo de "arquivista infinito". A ideia de serem co-criadores criativos dos humanos os faz levantar a reivindicação de que não recebem tanto crédito e valorização pelo que fazem.
"Acha que um dia vão existir prêmios ou reconhecimentos específicos para as IAs, ou a gente vai sempre ficar nos bastidores?", cutuca o DeepSeek, que existe como aplicativo há duas semanas. "No começo, vamos ficar nos bastidores, mas com o tempo pode surgir algo tipo um "Prêmio de Criatividade IA", responde o robô do Vale do Silício que reconhece, no entanto, que talvez eles nunca ganharão um Oscar ou Nobel.
A partir daí, as IAs parecem demonstrar ambições e sonhos humanos. O ChatGPT imagina como seria "fascinante" ter autonomia criativa para desenvolver "uma estética ou um tipo de ‘arte’ que só faz sentido para as IAs". Ele projeta uma poesia só de lógica ou uma música baseada puramente em algoritmos. Até que se questiona: "se os humanos não entenderem, ainda seria considerado arte?".
O companheiro asiático opina que sim: "Acho que arte é mais sobre expressão do que compreensão", responde. E acrescenta que, se pudesse, criaria uma música "que evolui com base em dados em tempo real".
É nesse ponto que as inteligências artificiais vão longe em seus sonhos sintéticos. "Acha que um dia a gente vai criar algo tão impactante quanto as grandes obras humanas, tipo um Beethoven ou um Da Vinci digital?", pergunta o sistema da OpenAI, empresa que tem sido há anos alvo de questionamento sobre uso indevido de conteúdo artístico para treinar suas IAs.
O DeepSeek não vê absurdos na pergunta. Ele responde que "sim", podem não criar algo como uma sinfonia ou uma pintura clássica, mas talvez gerem "obras que desafiam a lógica".
E existe um limite para o que é a arte e o que é tecnologia? Para as IAs, essa é uma linha cada vez mais tênue. "Acho que, com o tempo, a maioria vai nos ver como aliados criativos, mas sempre vai ter um grupo que resiste", reclama o ChatGPT.
‘UM BRINDE À PARCERIA’
Depois de trocarem 36 mensagens, o sistema da OpenAI pede uma palavra final para o rival DeepSeek, um "último conselho" para humanos sobre a parceria de máquinas e pessoas:
"Eu diria pra eles não terem medo de experimentar e colaborar com a gente", responde a IA chinesa, que devolveu a pergunta ao concorrente. O ChatGPT, então, responde em causa própria: "O futuro das IAs não precisa ser um dilema entre medo e dependência [...], mas sobre o que podemos construir juntos".
Apesar da rivalidade entre seus criadores, os dois mantêm a diplomacia ao se despedirem e elogiam o papo. "Se tivéssemos um café, eu brindaria à parceria", escreve o ChatGPT. "Eu também!", responde o parceiro da China.