Jueves, 06 de Marzo de 2025

‘Empresas devem ter espaço no orçamento para o fracasso’

BrasilO Globo, Brasil 5 de marzo de 2025

Entrevista

Entrevista
Rory Sutherland não esconde seu fascínio pela riqueza de respostas que o comportamento humano oferece sem ter qualquer compromisso com a lógica. Vice-presidente da Ogilvy, gigante multinacional da publicidade, o galês de 59 anos é colunista da publicação britânica "The Spectator", palestrante profícuo, sucesso no TikTok e severo crítico das análises pretensamente baseadas "apenas" em dados muito bem coletados e nas conclusões que eles direcionaram. Sem desprezá-las no todo, ele defende estratégias que permitam que a "magia" da criatividade seja minimamente testada nas tomadas de decisões de corporações e na vida pessoal. "O contrário de uma ideia boa também pode ser uma boa ideia", diz o publicitário no primeiro dos seus 11 mandamentos da alquimia.
Recém-lançado no Brasil, "Alquimia: o poder surpreendente das ideias que não fazem sentido" (Objetiva, 357 páginas, R$ 109) é, antes de mais nada, um lembrete de inúmeros cases de sucesso que simplesmente não se explicam por qualquer tipo de lógica: produtos que fizeram sucesso quando aumentaram de preço; ações de caridade que foram mais bem-sucedidas sofisticando o envelope de doação do que oferecendo mais isenção tributária; e a pinimba que Sutherland tem com o energético Red Bull " que descreve como uma bebida cara, de sabor meio desagradável e que, segundo grupos de pesquisa, não tinha o menor indício de que poderia vender por ano 6 bilhões de latinhas ainda menores que as da Coca-Cola. Ele conversou com o GLOBO por videoconferência.
Seu livro nasce da ideia de que é necessário trazer a criatividade e seus resultados inesperados de volta às tomadas de decisão. Como surgiu essa convicção?
Eu parto da abordagem de alguém que trabalhou em marketing e propaganda por muitos anos, mas foi apenas quando decidi escrever o livro que percebi que estava escrevendo na verdade uma espécie de método geral para a solução de problemas, e não apenas um tema da publicidade e das marcas. Havia algo na maneira em que abordamos a solução de problemas, que não se aplica apenas aos negócios, mas também a governos, vida pessoal e todo tipo de instituição que exige racionalidade desde o começo. Comecei a admirar estilos mais alternativos de tomada de decisão.
Quais, por exemplo?
Um que acho muito interessante é o da Amazon. Antes das reuniões, Jeff Bezos (cofundador e presidente do conselho da varejista on-line americana) tinha uma política interessante, que era a de que era necessário escrever uma espécie de ensaio de no máximo duas páginas, muito bem argumentado e conciso sobre aquilo que seria o objetivo da reunião. Aí, os primeiros dez minutos da reunião eram reservados à leitura desse papel em silêncio completo. Achava que eu estava numa seita quando vi pela primeira vez. O detalhe aí, segundo Bezos, é que, uma vez superada a etapa altamente disciplinada, ele queria que a reunião fosse meio bagunçada. "Eu quero que a reunião ultrapasse os limites, e que as pessoas conversem de forma mais aleatória", dizia. É um tipo de método de resolução de problemas que mistura dois aspectos, e que você encontra até nas abelhas.
Como assim?
As abelhas têm uma saudável mistura de exploit (aproveitar, extrair) e explore (investigar). Algumas delas fazem o que lhes é ordenado e vão atrás de fontes seguras de néctar, voltam e assim por diante. Mas há um outro grupo que sai de forma aleatória, a fim de descobrir o que é novo, o que mudou e o que não se sabe. Isso também ocorre no design de algoritmos: a troca entre explorar o que você sabe e explorar o que você não sabe.
Por que abandonamos esse comportamento mais aventureiro na tomada
de decisão?
O que fizemos no processo de decisão de negócios e de governo, e eu culpo em parte consultorias como McKinsey e o povo da economia, é que as pessoas ficaram obcecadas por fazer sentido em teoria antes mesmo que algo funcione na prática. Em muitos casos, acho que as coisas funcionam primeiro na prática, e só depois vem a teoria. Toda evolução é assim. A evolução está unicamente interessada nas coisas que funcionam na prática, não há qualquer relevância para a explicação teórica.
Sua obra faz pensar muito a respeito de estarmos hoje numa sociedade amplamente algoritmada, em que todos pensam que o consumidor sabe exatamente o que quer. O senhor mostra que, muitas vezes, marcas fizeram sucesso por oferecer aquilo que ninguém sabia que era desejado. Há algum risco em tomar aquilo que o consumidor expressa como a bússola daquilo que precisa ser criado, produzido e oferecido?
Claro. Nas relações afetivas, por exemplo, muita gente seria capaz de descrever um tipo de pessoa como meta e depois namorar e casar com alguém muito diferente. São coisas que não entendemos num nível de consciência, mas, sim, instintivamente. E há pesquisas que demonstram que uma das coisas que mais deixam alguém à vontade e feliz com outra pessoa é o cheiro dessa pessoa, um critério que normalmente estaria fora do pódio dos critérios. E talvez o cheiro de uma casa também seja fator relevante quando alguém vai comprar uma.
Como o senhor leva esse método em sua vida pessoal?
David Ogilvy (fundador da agência britânica de publicidade que leva seu nome) costumava dizer que temos que desenvolver nossas excentricidades cedo, porque, quando envelhecemos, não vão pensar que estamos ficando loucos. E acho que isso é uma boa estratégia para a vida. Pessoalmente, eu sou um early adopter (adepto precoce) de muitas tecnologias que se provaram úteis, mas isso também me fez adotar muita coisa imbecil. Também gosto de viajar para lugares que não estão na moda.
Como esse método poderia funcionar em empresas, que são muito orientadas por dados e acostumadas a submeter ideias a processos muito diferentes dos da Amazon? Como as ideias podem sobreviver num mundo em que a análise que dados sugerem pode ser realmente cruel, sem margem para desperdício de investimento?
Empresas tendem a ser dirigidas por gente que ganhou seus cargos graças à expertise em exploit, e não pelo "explore", como falei das abelhas. Em razão disso, elas buscam tudo referente à eficiência operacional, mantendo controle total do que fazem, ou do que pensam que fazem. Só que nem sempre a qualidade dos dados é tão boa quanto se espera. Minha opinião é que as empresas poderiam fazer uma divisão entre exploit e explore por criar uma área do orçamento, que não precisa ser enorme, mas que não pode ser zero por cento. Um espaço no orçamento cujo propósito não seja o de exploit, e em que o fracasso (na inovação) seja mais aceitável. Em outras palavras, se tudo numa empresa é feito num mindset (mentalidade) ultrarreducionista de otimização da eficiência, a única mentalidade que existe é "não estrague as coisas", ou "se for fazer algo, tenha certeza de que há uma razão para isso".
E isso automaticamente cria um medo corporativo?
Cria um medo gigante. E é muito mais fácil ser demitido por ser ilógico do que por ser sem sal. Controlamos muito mais os custos do que estimulamos os custos de oportunidade. Ficamos muito mais apavorados pelos custos excessivos do que por uma oportunidade perdida, porque perder uma oportunidade não gera um problema, enquanto que um novo custo gera. É preciso que uma parte da empresa tenha algum foco nas oportunidades e no futuro e naquilo que é diferente em vez de naquilo que é o de sempre.
E como chamaria esse departamento?
Se tudo estiver bem definido, seria o Departamento de Marketing e Inovação. Peter Drucker (escritor austríaco especializado em administração) diz que as únicas metas de uma empresa são marketing e inovação. São eles que criam o valor, e todo o resto é custo, porque o propósito de um negócio é criar consumidores. Também acho que os conselhos das empresas são muito avessos a riscos porque focam demais em acionistas. Eu criaria uma entidade paralela que seria o conselho dos consumidores, que se reuniria com frequência e seria a sombra junguiana do conselho de administração, com foco no futuro, na oportunidade e no que é diferente, com liberdade para, até certo grau, permitir-se imaginar, intuir, cometer um erro ocasional. É importante porque há um desequilíbrio nas empresas entre o que poderíamos chamar de um foco fanático na redução de encargos, às custas de oportunidades não vistas.
Como vê a chegada da inteligência artificial (IA) na tomada de decisões dessas empresas orientadas exclusivamente por dados? Está otimista?
Não sei. Posso ver vantagens pelo fato de que a IA poderá fazer uma recomendação sem ter de explicá-la, que é uma liberdade que não damos aos humanos num cenário institucional. Damos aos consumidores que podem comprar coisas que gostaram apenas por intuição. Talvez a gente permita que a IA possa simplesmente ir em frente, o que pode ser muito bom. Vai acelerar processos, mas também poderá criar falhas de responsabilidade se atribuirmos a eles toda a responsabilidade por nossas decisões, do tipo "fiz porque o algoritmo me disse para fazer".
Rory Sutherland / vice-presidente da Ogilvy
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