Grupo ideológico liderado pelo irã tenta se reerguer após série de golpes
Eixo enfraquecido
Eixo enfraquecido
Horas depois de forças rebeldes dominarem o governo da Síria, e da confirmação de que o homem que havia comandado o país por 24 anos, Bashar al-Assad, estava a caminho de Moscou, as fotos rasgadas do ditador espalhadas pelo chão do palácio presidencial eram um atestado do início de uma nova era no país, com reverberações pelo mundo. Para o Irã, não era apenas o fim de um regime aliado e estratégico, mas sim um novo e duro golpe em seus planos de expansão regional de poder militar e político, uma estratégia apelidada de Eixo da Resistência, que nos últimos anos acumulou sucessos e fracassos.
resposta aos eua
Além da Síria, parceiros em Gaza " Hamas " e no Líbano " Hezbollah " foram enfraquecidos na guerra com Israel, milícias aliadas no Iraque se equilibram entre os planos iranianos e suas próprias agendas, e os houthis, no Iêmen, se tornaram alvos preferenciais de bombardeios ocidentais. A fragilidade é evidente e o grupo está nas cordas, e o momento para Teerã, além de uma retração temporária, é de reajuste de planos.
" O Eixo da Resistência ainda está vivo, mas agonizando " afirmou ao GLOBO Danilo Porfirio, doutor em Ciências Sociais e especialista em Oriente Médio. " O Eixo da Resistência precisa ser entendido como uma ação, um projeto que foi organizado pelo Irã para se firmar como uma potência regional dentro do Oriente Médio.
A aliança informal comandada pelo Irã começou a ser gestada nos anos 1980, quando Teerã apoiou o surgimento de grupos como o Hezbollah, no Líbano e a Jihad Islâmica na Palestina " posteriormente, organizações como o Hamas, os Houthis e as milícias xiitas no Iraque se uniram, amparados pelo regime de Assad. O nome foi uma resposta a um termo cunhado pelo então presidente dos EUA, George W. Bush, em 2001, quando incluiu Irã, Coreia do Norte e Iraque (então comandado pelo ditador Saddam Hussein) em um "Eixo do Mal".
Ao longo da década passada, a coordenação entre os aliados foi ampliada, na esteira das mudanças provocadas pela Primavera Árabe e do surgimento do Estado Islâmico, que escancarou a presença militar iraniana em solo sírio e iraquiano, seja por meio de seus oficiais da Guarda Revolucionária, seja através de milícias financiadas por Teerã.
Mas o grande momento existencial veio em 2023, após o ataque de um de seus membros, o Hamas, contra Israel, no qual 1.195 pessoas morreram e cerca de 250 foram sequestradas e levadas para Gaza " algumas delas morreram após o início da brutal ofensiva militar no enclave, e outras ainda aguardam uma libertação que parece distante.
sem coordenação
Documentos militares e de inteligência sugerem que havia um apoio "em princípio" dos iranianos ao ataque do grupo palestino, mas ainda não está claro até que ponto houve um apoio direto de Teerã e do Hezbollah na ação.
" O Irã contava com um enfraquecimento institucional de Israel, que já passava por turbulências políticas, com Netanyahu e seus sérios problemas com a Suprema Corte, com a oposição, acusações de violações de direitos e assim por diante. " aponta Porfirio. " Mas o Irã não contava com a ação israelense, com a força de resposta israelense e não contava, obviamente, com o apoio quase incondicional dos Estados Unidos, que chegaram a cogitar uma intervenção direta contra o Irã.
Os meses que se seguiram mostraram que parte da força e coesão propagandeadas pelo Irã foram superestimadas.
Israel lançou uma campanha de assassinatos de lideranças iranianas na Síria e Líbano, incluindo um bombardeio contra o consulado do Irã em Damasco. Arsenais da Guarda Revolucionária em solo sírio foram atacados com frequência. Redes de contatos forjadas ao longo de décadas através de contatos pessoais desapareceram em segundos.
A infiltração dos serviços secretos israelenses, que incluiu o assassinato do líder da ala política do Hamas, Ismail Hanyeh, em Teerã, escancarou a ineficiência dos serviços de segurança locais: horas antes, Haniyeh havia participado da posse do presidente iraniano, Masoud Pezeshkian. Em mais uma demonstração de fragilidade, dois ataques com centenas de mísseis e drones contra Israel foram neutralizados pelas defesas aéreas locais e de aliados ocidentais e regionais.
"O Irã, descobriu-se, não foi capaz de coordenar e controlar as capacidades militares do Eixo " e muitas das capacidades de dissuasão mais alardeadas contra Israel entraram em colapso sob pressão de guerra ou nunca existiram", escreveram, em um longo relatório sobre o estado atual do Eixo da Resistência, os pesquisadores Thanassis Cambanis e Veena Ali-Khan, da The Century Foundation.
Os últimos tempos também impuseram duros reveses ao Hamas, alvo de uma ofensiva militar que deixou 50 mil mortos, de acordo com autoridades médicas locais, centenas de milhares de feridos e devastou a Faixa de Gaza. As lideranças do grupo foram dizimadas, e sua capacidade militar, embora presente em bolsões como Beit Hanoun, se situa distante daquela pré- 2023.
incertezas futuras
Como aponta o estudo do The Century Foundation, se havia uma expectativa de que o Eixo da Resistência se unisse com todas suas forças contra Israel, ela foi frustrada. Os houthis, apesar de causarem problemas ao tráfego marítimo com suas ações no Estreito de Áden, não infligiram danos consideráveis a Israel, e agora estão sob intensos bombardeios dos EUA. As milícias no Iraque mantiveram seus ataques às forças dos EUA, que vinham desde antes da guerra, e Assad parecia mais preocupado com seus problemas internos. Mesmo o Irã evitou se envolver diretamente no conflito, temendo uma resposta israelense.
"O Eixo não tinha nem a infraestrutura nem o conhecimento tecnológico para sustentar uma campanha prolongada e multifrontal contra Israel. Em vez de operar como uma força coesa e coordenada, a rede parecia mais ligada à retórica", diz o relatório.
A principal exceção à regra foi o Hezbollah, que desde outubro de 2023 mantinha um conflito de baixa intensidade com os israelenses, mas que, em setembro do ano passado, iniciou uma ofensiva de grande porte, com bombardeios intensos, que mataram o líder do grupo, Hassan Nasrallah, e causaram danos que vão além dos militares. Analistas veem o grupo em seu "mais frágil momento" em décadas, perdendo espaço no governo, prestígio entre os libaneses e parte do dinheiro que era enviado pelo Irã.
Como aponta o relatório da The Century Foundation, o momento é de replanejamento e de espera para o Irã. Não está claro como o Hamas ressurgirá após o fim da guerra em Gaza e caso os planos do presidente americano, Donald Trump, de ocupar o território sejam concretizados, ou se o Hezbollah vai recuperar o prestígio de outrora. Soma-se a isso as incertas e complexas relações com os houthis e as milícias no Iraque " que muitas vezes preferem seguir suas próprias agendas. E há as evidentes fragilidades internas no país, que Teerã ainda não sinalizou como resolverá.
"As forças do Eixo não poderiam lutar uma guerra regional coordenada, mas ainda podem exercer poder coercitivo em suas arenas domésticas " e ainda podem atrapalhar seus adversários mais poderosos usando táticas assimétricas".