Possível acordo eua-china traz riscos para o brasil, alertam especialistas
Análise
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Embora a guerra de tarifas tenha congelado as relações dos Estados Unidos com a China num impasse, especialistas acreditam que, em algum momento, as duas maiores economias do mundo terão que chegar a algum tipo de acordo. E, quando isso acontecer, o Brasil poderá ser prejudicado, com perdas de fatia de mercado agrícola para os EUA em produtos em que os americanos são competidores diretos, como soja, milho e carnes.
O risco é real, porque no fundo a China tem interesse em amenizar os impactos da guerra comercial, diz Jorge Arbache, professor de Economia da Universidade de Brasília, e colunista do Valor. Arbache lembra que logo que o presidente Donald Trump voltou ao poder, no início deste ano, imaginou a possibilidade de uma "pax sino-americana", que para ele faria sentido. Afinal, para quê fazer um mundo multilateral se os dois países têm poder para ditar as regras e dividir os interesses e esferas de influência?, pensou o economista.
Depois da escalada de tarifas, que elevou a taxação americana contra a China a 245%, segundo a Casa Branca " com retaliação chinesa de 125% ", há sinais de que o momento da negociação está amadurecendo, diz Arbache. O governo americano queria usar as tarifas como forma de pressão para melhorar seu poder de barganha, acredita. Mas, seja por pressão doméstica ou por concluir que foi longe demais, Trump tende a sinalizar que é o momento de chegar a um acordo. Isso interessa aos chineses, acredita ele.
" O que a China precisa neste momento é ganhar tempo para consolidar sua liderança e passar os EUA também em tamanho de PIB, não apenas em comércio, investimento, patentes e ciência. Uma guerra comercial muito forte não interessa à China " diz Arbache. " O Brasil é competidor dos EUA em várias coisas que são vendidas para a China. Se esse acordo tiver que envolver algo da participação americana em soja e carnes, por exemplo, isso seguramente vai afetar o Brasil. É quase inevitável.
O impacto poderia ser significativo: cerca de 70% da soja exportada pelo Brasil em 2024 tiveram a China como destino. Para Fu Wenge, professor da Universidade Agrícola da China, há poucas chances de que China e EUA entrem em um acordo a curto prazo, dadas o alto nível de tensão entre os países. Sendo assim, prevê, a tendência é de uma intensificação ainda maior no comércio agrícola do Brasil para a China, com possibilidades novas, como processamento conjunto e pesquisa para aumentar a produtividade. Confiante na parceria, Fu se prepara para levar um grupo de 30 estudantes ao Brasil, para identificar novas áreas de cooperação e negócios.
Coordenadora do Programa de China do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Larissa Wachholz concorda que há riscos, mas também vê oportunidades para o Brasil no momento atual de tensão EUA-China. Um acordo entre os dois países possivelmente viria em detrimento de exportações agrícolas brasileiras, diz ela, embora esse não seja um interesse chinês.
" Eu não acho que a China tenha como plano A fazer um acordo dessa natureza e abrir mão do fornecimento do Brasil. Leva tempo para desenvolver a relação com fornecedores, há um elemento de confiança importante. Mas o risco é que a China se veja quase obrigada a fazer isso porque, de fato, o impacto para a economia chinesa das tarifas é muito grande.
Por outro lado, também há oportunidades, acredita ela. A transição energética muda o jogo do comércio e o Brasil tem a chance de se beneficiar disso. As empresas chinesas têm a necessidade de descarbonizar, principalmente na navegação marítima e na aviação, afirma Wachholz, e o Brasil pode ser um fornecedor de combustíveis de baixo carbono como etanol. Além disso, o Brasil poderia ganhar mercado com marcas de alimentos na China, onde há cada vez mais demanda, turbinada pelo aumento da renda da população nos últimos anos. Por fim, o país deveria buscar mais financiamento chinês em seu setor agrícola, afirma.
Arbache acha que o Brasil deveria encarar o risco como uma chance de pensar em formas de diversificar o destino de suas exportações de soja e outras commodities que hoje têm a China como grande comprador. Para ele, não é bom para o Brasil concentrar tanto suas vendas em um único país.
" Se tem um lado bom nessa história é que talvez sirva para acordar o Brasil de que é preciso diversificar. Pode ser uma oportunidade " afirma, acrescentando que, a longo prazo, o Brasil "continuará no jogo" devido a seu peso como grande produtor agrícola. " Quando se olha para frente, as mudanças climáticas aumentarão o stress hídrico no mundo. Isso tende a valorizar muito quem tem condições de produzir alimentos, como o Brasil.