Lula busca na china um rival para conter starlink no brasil
De olho na expansão dos serviços de conexão à internet via satélite da Starlink no Brasil, ...
De olho na expansão dos serviços de conexão à internet via satélite da Starlink no Brasil, o governo se mobiliza para aumentar a concorrência e tentar conter o avanço da empresa de Elon Musk em território nacional. Auxiliares do presidente Lula embarcaram para Pequim na semana passada com a expectativa de avançar nas negociações com a chinesa SpaceSail, concorrente direta da companhia americana liderada pelo bilionário.
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, lidera o grupo que fará os encontros preparatórios para a agenda da viagem de Lula à China em maio e a atração da SpaceSail para o Brasil está na pauta dele. Costa tem no roteiro conversas com membros da empresa e do governo chinês sobre o assunto.
O objetivo é avançar em um acordo assinado em novembro do ano passado, quando o presidente da China, Xi Jinping, esteve no Brasil. O termo previu um estudo sobre a demanda de internet via satélite em localidades do Brasil onde a infraestrutura de fibra óptica não chega, particularmente em zonas rurais e na Região Norte. A partir do mapeamento, seria feita uma análise de parcerias para soluções conjuntas de inclusão digital.
A aproximação com a empresa chinesa é a principal estratégia da gestão Lula para tentar frear a influência das antenas de Musk no território brasileiro. O Planalto trabalha por novos anúncios sobre o tema durante a visita de Lula a Pequim, entre 12 e 13 de maio. Auxiliares de Lula afirmam que o petista tratará do tema em conversas com Xi Jinping. No entanto, o próximo passo do acordo com a SpaceSail dependerá do que Rui Costa conseguirá extrair desse contato prévio marcado para esta semana com representantes do governo chinês.
Com supervisão da Casa Civil, a aproximação com a SpaceSail vem sendo executada pelo Ministério das Comunicações, que será assumido por Frederico de Siqueira Filho. Ex-presidente da Telebras, ele já acompanha de perto as conversas com a empresa chinesa.
Tecnologia avançada
O gesto de Lula em direção à China integra uma estratégia do governo para estimular a concorrência no mercado de pequenos satélites em órbita baixa, atualmente dominado por Musk. Hoje, embora haja dezenas de concorrentes na área, somente a Starlink fornece o serviço com satélites em constelação a cerca de 340 a 1.200 quilômetros, podendo chegar no máximo a 2 mil. Esta altitude é muito mais baixa que a dos satélites tradicionais de comunicação geoestacionária, que orbitam a cerca de 36 mil quilômetros da superfície da Terra. A vantagem do modelo da Starlink vem justamente dessa diferença. Com satélites sincronizados que ficam mais próximos do planeta, o serviço consegue reduzir significativamente a latência, o tempo que os dados levam para viajar entre o usuário e o servidor, resultando em conexão à internet mais veloz.
Há pouco mais de 555 mil usuários de internet via satélite no Brasil, e 58% deles são clientes da Starlink de Musk. Recentemente, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) deu aval para a Starlink operar mais 7,5 mil satélites no Brasil, totalizando quase 12 mil equipamentos licenciados. Diante do avanço, o governo quer encontrar um competidor à altura. A SpaceSail tem a tecnologia, porém, na prática, ainda não oferece esse serviço comercialmente. Seu sistema está em fase de testes. Os primeiros ocorreram entre 2023 e 2024, e agora a chinesa está na fase de lançamento da constelação de satélites propriamente dita.
Amazon tem interesse
A previsão que a chinesa deu ao governo brasileiro é de que seu serviço estará disponível para contratação até o fim de 2026. A partir daí, o Planalto quer promover uma espécie de licitação entre empresas para a contratação do serviço para um programa público de inclusão digital e também oferecê-lo ao mercado privado. O acordo não prevê nenhuma obrigação de contratação.
Além da SpaceSail, outras gigantes do setor como a americana Amazon já manifestaram interesse em oferecer serviço similar no Brasil. Representantes da empresa de outro bilionário, Jeff Bezos, estiveram no Ministério das Comunicações no ano passado conversando com Juscelino Filho. O ex-ministro também foi a Ottawa, no Canadá, para conversar com líderes da Telesat. A companhia canadense iniciou no ano passado os testes de sua constelação de satélites em baixa órbita. Em 2024, o ex-ministro também foi à China visitar a sede da SpaceSail.
Integrantes do Itamaraty afirmam que o governo brasileiro tem interesse em avançar o mais rápido possível nas conversas com a SpaceSail. Também há empenho para que a viagem de Lula à China traga resultados práticos, mas não há expectativa de um anúncio final, devido ao processo de desenvolvimento da empresa chinesa. Mas novos encaminhamentos são esperados, uma vez que equipes dos dois países trabalham de maneira coordenada nisso.
Por trás do incentivo do governo brasileiro à concorrência no segmento está a indisposição entre Lula e Musk, que veio ao Brasil no governo de Jair Bolsonaro e hoje é um dos principais aliados de Donald Trump nos EUA. Lula não esconde sua desaprovação à postura do sul-africano radicado nos EUA e ao fato de um bilionário, que também é dono da rede social X, controlar tantos instrumentos de comunicação. Endossou críticas a Musk após o choque dele com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), por causa do bloqueio judicial do X. Em março, sem citar nominalmente Musk, Lula afirmou que ele "acha que pode tudo".
Derrapada no G20
O embate com Musk também foi marcado por um episódio envolvendo a primeira-dama, Janja da Silva. Em novembro do ano passado, no G20, Janja xingou o empresário num comentário em tom de brincadeira. Durante o painel do G20 Social, ela disse "fuck you" ao se referir a Musk. A derrapada gerou reação imediata contra o governo, desviando atenção do evento. No dia seguinte, em uma indireta com tom de reprimenda pública, Lula afirmou que não se pode "ofender ninguém".
Em entrevista à revista americana The New Yorker, Lula demonstrou preocupação sobre o uso de satélites Starlink por garimpeiros ilegais na Amazônia e afirmou que não permitirá que alguém que "odeia nosso governo, odeia a democracia e nosso sistema de justiça, assumir o controle das informações de um país e de uma região como a Amazônia." A declaração foi publicada na mesma semana em que a Anatel aprovou a autorização para a Starlink aumentar o número de satélites operando no Brasil. Procurada, a empresa não se manifestou.
O secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério de Ciência e Tecnologia, Daniel Almeida, afirma que o governo avalia uma forma de o Brasil não ficar dependente de nenhuma tecnologia externa, seja chinesa ou americana, para um serviço tão importante:
" Queremos negociar com a SpaceSail a possibilidade de transferência de tecnologia, o que temos buscado na maioria das negociações internacionais. Não só abertura do mercado brasileiro para esse tipo de tecnologia, no ambiente espacial, mas ter em parte do escopo do projeto a transferência de tecnologia e soberania nacional em relação a isso.