Primatas hiperconectados mudam paisagens e fazem pensar
Réplicas de macacos obcecados por tecnologia passam a compor, de hoje e até 10 de junho, a ...
Réplicas de macacos obcecados por tecnologia passam a compor, de hoje e até 10 de junho, a paisagem de trechos da Lagoa, da Rua Dias Ferreira (Leblon), do calçadão da Praia de São Conrado e da Praça Mauá, no Centro. As esculturas fazem parte da série "Primórdios Digitais", do artista visual Beto Gatti, e propõem uma crítica à imersão nas telas.
" Pensamos no celular ao acordar e, antes de dormir, ainda estamos com ele. As pessoas andam nas ruas corcundas, e isso até remete àquela linha do tempo de evolução do homo sapiens a partir dos primatas. Tínhamos chegado ao homo erectus, mas estamos voltando a nos curvar " diz Gatti.
Com até dois metros de altura, cinco estátuas compõem o circuito na cidade: Desconectados, La Décadence Biomorphique, Cabo de Guerra e Primórdios Digitais se somam a Saudade, produzida em 2021 e há alguns anos exposta no Galeão. O artista diz que, assim como o monumento exposto no aeroporto internacional, espera que os novos trabalhos também despertem o interesse do público.
" Meu trabalho é figurativo. Uma vez, ouvi o Vik Muniz dizer que sua arte conversava com todas as idades e classes sociais. No Galeão, muitas pessoas fazem vídeos, fotos, me marcam nas redes sociais. Mães gravam com os filhos, perguntando o que eles veem e entendem. Estou curioso e ansioso para ver como mais pessoas receberão (seu trabalho) " afirma Gatti.
Das galerias às ruas
O artista fluminense " que nasceu no interior e com meses de idade passou a morar na capital " começou a produzir as esculturas em 2021, como parte de uma série intitulada "A origem". As três primeiras obras foram apresentadas na feira ArtRio. Depois, as esculturas passaram por cinco galerias estrangeiras, entre elas a Miart Gallery, em Londres, e a Tilsitt, em Portugal. No Brasil, o Museu Nacional de Belas Artes, que está na reta final de uma reforma de mais de quatro anos, adquiriu uma das esculturas.
Gatti crê que o interesse está relacionado à urgência de se tratar do assunto.
" Os primatas estão na origem da Humanidade, sempre foram comparados ao humano, são cobaias de teste de inteligência. Agora, com a tecnologia, me parece que nós, humanos, é que estamos neste papel de cobaia. O que pode acontecer se ficarmos tão aprisionados às telas? Usá-los para espelhar o comportamento humano foi uma forma que encontrei para dialogar com essa questão " conta.
O material usado para elaborar as esculturas varia: algumas são feitas de resina, ferro e fibra de vidro; outras, de bronze. Na Lagoa, a obra que passa a compor a paisagem na altura do Corte do Cantagalo é Desconectados, que reproduz símios agachados, aglomerados e alheios uns aos outros por estarem focados nas telas de seus celulares. A inspiração para produzir a escultura veio de uma situação real: um vídeo do réveillon de 2024 na Champs-Élysées, em Paris, que viralizou nas redes por mostrar centenas de pessoas filmando o show de luzes, de olho nas telas, sem se importar em comemorar com quem estava ao lado ou viver o momento presente.
" Essa cena é simbólica. Ninguém se abraçou, ninguém parou de fotografar, nem de filmar. Preferiram registrar o momento. A Lagoa é um lugar por onde passa muita gente nos fins de semana, principalmente. A escultura pode virar assunto nas conversas " torce.