O dia em que o rio virou a noite para ver a chegada do graf zeppelin
O domingo ainda estava amanhecendo, mas as ruas do Rio haviam sido tomadas por uma ...
O domingo ainda estava amanhecendo, mas as ruas do Rio haviam sido tomadas por uma multidão ansiosa para ver o famoso dirigível Graf Zeppelin cruzando o céu da cidade. Muita gente tinha passado a noite em claro, sem saber a que horas a maravilha da aviação comercial no começo do século XX surgiria sobrevoando a barra da Baía de Guanabara.
Às 6h30 daquele dia 25 de maio de 1930, há 95 anos, o gigante de alumínio, com seus 236 metros de comprimento, apareceu no horizonte e desfilou rumo à Zona Oeste até aterrissar no Campo dos Afonsos. Estava, então, inaugurada a primeira ligação aérea de passageiros entre o Brasil e a Europa, o que levou a imprensa do país a decretar a "chegada da modernidade".
" Trata-se de um marco histórico para o que viria a ser a aviação comercial " afirma Charles Narloch, professor de pós-graduação em Museologia e Patrimônio na Unirio e tecnologista do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast). " Não havia linhas regulares para passageiros de voos internacionais. O Graf Zeppelin era divulgado como ícone de desenvolvimento tecnológico. Depois de completar uma volta ao mundo, em 1929, o comandante da aeronave, Hugo Eckener, foi considerado o homem mais famoso do planeta pelo jornal "Corriere della Sera", da Itália.
Construídos desde o século XIX, os dirigíveis foram as primeiras aeronaves motorizadas do mundo. O brasileiro Santos Dumont, pai da aviação, desenvolveu o modelo antes de desenhar seus aviões.
Na Primeira Guerra Mundial, os aerostatos (aeronaves mais leves que o ar) foram usados como bombardeiros, e os alemães tinham do seu lado os poderosos Zeppelins, fabricados pelo conde Ferdinand von Zeppelin, que morreria em janeiro de 1917, antes de ver o seu país capitular diante dos Aliados, em 1918.
Depois do conflito, os Zeppelins reinaram na aviação comercial. O luxuoso modelo Graf Zeppelin ganhou os céus pela primeira vez em 1928 e, em 1929, realizou o voo ao redor do planeta em 21 dias. A aeronave se deslocava a 110km/h, levando apenas 20 passageiros e 36 tripulantes. Era coisa para gente rica. Uma passagem só de ida (ou volta) custava o equivalente a US$ 8 mil em valores atuais.
A estrutura consistia em uma carcaça de duralumínio com 60 balões de hidrogênio e cinco motores de 12 cilindros. Na cabine dos passageiros, havia suítes, salas de estar e de jantar. Um hotel voador.
A Vigília
A primeira viagem do Zeppelin para a América do Sul começou na Alemanha em 18 de maio de 1930. De lá, o dirigível cruzou o Oceano Atlântico em três dias, até pousar no Recife, onde uma torre de atracação havia sido erguida para a ajudar na aterrissagem. A aeronave foi recebida com festa na capital pernambucana. Havia até arquibancada para convidados ilustres.
Enquanto isso, os jornais no Rio tentavam saber o horário exato em que a grande atração chegaria. Na dúvida, muita gente ficou acordada, na rua, a noite toda esperando a baleia prateada aparecer no céu.
" Quando se confirmou a viagem, as passagens para os trens entre São Paulo e Rio se esgotaram. A autoestrada, ainda precária, também recebeu um fluxo inédito de automóveis " relata Charles Narloch.
De acordo com a edição do dia 26 de maio de 1930 do GLOBO, o português José Pinheiro estava esperando o Graf Zeppelin sentado no extinto Cais do Mercado Novo, no Centro do Rio, mas adormeceu e caiu no mar da Baía de Guanabara. Só não morreu afogado porque foi resgatado.
O jornal também contou que, antes de chegar ao Rio, o Graf Zeppelin sobrevoou o navio que levava para os Estados Unidos o advogado paulista Júlio Prestes. Ele tinha acabado de ser declarado presidente eleito do Brasil, mas não chegaria a tomar posse por causa da Revolução de outubro de 1930, que colocou o gaúcho Getúlio Vargas no poder.
Milhares de pessoas foram para orla do Flamengo e de Copacabana esperar o Zeppelin, mas muita gente preferiu áreas mais altas, como o bairro de Santa Teresa e os morros de São Januário e da Viúva. Quando o "charuto gigante" brotou no céu, a cidade, então capital do Brasil, explodiu em gritos e palmas. Crianças corriam para acompanhar a aeronave até perdê-la de vista.
O Graf Zeppelin percorreu a orla até o Campo dos Afonsos. A aterrissagem desse tipo de aeronave era um espetáculo à parte, que começava com a aproximação do dirigível do chão. Então, cordas eram lançadas lá do alto para serem amarradas no solo, e algo em torno de 150 homens puxavam o gigante de 67 toneladas para baixo. Muitos escalavam as cordas para fazer mais força, eram os chamados "aranhas". Os passageiros só desciam quando o Zeppelin estava atracado.
64 viagens ao brasil
O Campo dos Afonsos estava movimentado desde a madrugada. O público ficava dividido em cadeiras de primeira e segunda classe e as "gerais", para quem não tinha convite. Autoridades como Prado Júnior, prefeito do Rio, e o diplomata Edwin Morgan, embaixador americano, estavam lá. Cerca de 2 mil homens de diferentes corporações, como o Exército e a Guarda Civil, foram empregados.
" A presença dos dirigíveis por aqui também pautava a imprensa internacional, contrapondo a visão comum e estereotipada sobre um país considerado "exótico" e "atrasado" " observa o professor Narloch. " Por isso, a preparação e mobilização para receber os dirigíveis seria comparável, nos dias atuais, à organização de uma Copa do Mundo.
O Graf Zeppelin fez 64 viagens ao Brasil em sete anos. Em 1933, quando Adolf Hitler assumiu o poder na Alemanha, os dirigíveis viraram peças de propaganda nazista e passaram a circular com a suástica no leme. Em 1936, foi inaugurado, em Santa Cruz, o hangar dos Zeppelins. A estrutura está lá, bem conservada, até hoje, mas não abrigou aerostatos por muito tempo. Em 1937, o Hindenburg, um colosso ainda mais potente que o Graf Zeppelin, explodiu numa aterrissagem nos Estados Unidos, matando 36 pessoas. Foi o fim da "era dos dirigíveis".