O congresso em campanha presidencial
rogério furquim werneck
rogério furquim werneck
Um governo em sérias dificuldades. É o mínimo que se pode dizer. Bem antes do que esperava, o presidente espanta-se com a conta proibitiva dos erros crassos que se permitiu cometer.
Tendo desprezado a sólida maioria de centro-direita que se elegera para o Congresso e as evidências de que só fora eleito graças à aversão de eleitores de centro a Jair Bolsonaro, Lula da Silva recusou-se a se mover para o centro do espectro político, ao longo do eixo que de fato importava, que era o da condução da política econômica. Deixou passar a oportunidade de montar um governo de coalizão de verdade. E, tendo renegado de forma ostensiva qualquer compromisso com a manutenção do endividamento público sob controle, embarcou na geringonça irresponsável do arcabouço fiscal.
Na esteira de medidas inconsequentes de todo tipo, como voltar a superindexar a colossal folha de benefícios de Previdência e assistência social e restaurar de supetão os pisos constitucionais de gastos com educação e saúde, tamanha foi a farra fiscal que a expansão de gastos não coube no arcabouço, por mais permissivas que, de início, parecessem ser suas regras.
Alarmado, o governo constata agora que está longe de dispor de apoio no Congresso para viabilizar a elevação de carga tributária com que contava, para reduzir a extensão dos bloqueios e contingenciamentos orçamentários que passaram a ser requeridos pelas regras do arcabouço.
Tendo descuidado completamente da formação de uma maioria parlamentar confiável, o Planalto se vê hoje com uma bancada governista efetiva que não chega a um quarto do Senado ou da Câmara. Difícil vislumbrar como, com a posição hiperminoritária a que está reduzido no Congresso, o governo poderá enfrentar a longa travessia dos 15 meses que ainda faltam para as eleições de 2026.
O pior é que, nas últimas semanas, acumularam-se evidências de uma clara mudança de regime nas relações do governo com a maioria de centro-direita que hoje controla o Congresso. E que se mostra a cada dia menos disposta a resgatar o Planalto das dificuldades fiscais em que se meteu.
Não falta quem se apresse a asseverar que esse clima de tensão tem as mesmas causas de sempre. Que não passa de um capítulo mais dramático da velha novela de desavenças sobre emendas parlamentares. Mas a verdade é que as causas não são tão simples assim. Entre os fatores por trás do acirramento de ânimos e da escalada de intransigência que hoje se vê em Brasília, está a crescente mobilização do Congresso com a disputa presidencial.
A perspectiva de antecipação do desfecho do julgamento de Jair Bolsonaro e o bom desempenho de governadores da oposição nas pesquisas de intenção de votos parecem ter desobstruído, afinal, o caminho para o surgimento de uma candidatura presidencial viável de centro-direita. Ainda é cedo para saber ao certo se é mesmo essa a razão primordial da mudança de regime na relação do Congresso com o governo. Se for, o governo precisa ter cuidado. E repensar sua precipitada disposição de dobrar a aposta no ruidoso embate que vem travando com o Congresso.
Já não há mais dúvida, a esta altura, de que o governo, de um lado, e a maioria de centro-direita do Congresso, de outro, terão candidatos concorrentes na disputa presidencial. É verdade que Lula contará com as vantagens habituais do incumbente. E, no limite, poderá vir a "fazer o diabo", como Dilma Rousseff em 2014. Mas, nas condições atuais, em que o incumbente tem uma base parlamentar tão reduzida, sem nenhuma capacidade de bloqueio, o Congresso poderá lhe cercear em grande medida o espaço fiscal com que espera contar para "fazer o diabo" no ano eleitoral. No limite, mais do que lhe impor uma restrição orçamentária bem mais rígida, poderá lhe fazer a vida impossível. E deixá-lo a pão e água.
A se julgar pelas bravatas e ameaças que têm pautado as manifestações irritadas da ministra de Relações Institucionais e do ministro da Fazenda contra o Congresso, o governo ainda não parece se ter dado conta disso.