Entenda o que muda com as novas regras para fundos
Termina hoje o prazo de adaptação dos fundos de investimentos a uma nova regulação que ...
Termina hoje o prazo de adaptação dos fundos de investimentos a uma nova regulação que muda essa indústria de forma profunda, a Resolução CVM 175. Muitas gestoras ainda não aproveitaram as inovações trazidas pelas regras novas, mas a expectativa é que esse mercado seja redesenhado com o tempo. As normas vão permitir maior transparência para os cotistas, mas trazem mais exigências sobre as gestoras.
A indústria de fundos do Brasil é a sexta maior do mundo: 41 milhões de contas, 33 mil fundos, mil gestoras e R$ 9 trilhões de patrimônio. Após anos de expectativa, a Resolução CVM 175 agora é o marco regulatório desse setor. A ideia da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o órgão regulador do mercado de capitais, é simplificar a regulação dos fundos para destravar os avanços e aproximar o Brasil das indústrias internacionais maduras, além de dar mais poder às pessoas físicas.
As novas regras valem para todos os tipos de fundos e entraram em vigor em outubro de 2023, mas a CVM deu um tempo para o setor se adaptar. O prazo acaba hoje, o que significa que, a partir de amanhã, os fundos precisam estar ajustados às novas normas. A regulação traz exigências e inovações, que mudam a vida dos gestores e afetam os investidores.
Até 17 de junho, 76% dos fundos estavam adaptados, aponta a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), que representa as gestoras. O dado corresponde a 18 mil de 33 mil fundos, sendo que 6 mil já foram criados sob a Resolução 175.
A maioria das gestoras apenas adaptou os sistemas para se regularizar, mas não inovou ainda, em um ambiente em que gerir os fundos está difícil. Os altos juros da renda fixa concorrem com os fundos, e os gestores estão com pouca visibilidade sobre o futuro da economia no Brasil e no mundo. Porém, as possibilidades de inovação são grandes de agora em diante.
‘Desvios de conduta’
O presidente da CVM, João Pedro Nascimento, tem encorajado a indústria a completar a adaptação, que traz uma relevante modernização para o mercado de fundos. Ele diz que as novas regras poderão passar por atualizações no futuro e que, na fiscalização, a CVM deve separar as gestoras que não acabaram de se adaptar das que cometeram "desvios de conduta":
" A CVM entende que sempre haverá uma parte do setor que é menos aderente à regulação, mas a punição está associada aos desvios de conduta e às práticas ilícitas. Trabalhamos para incentivar a indústria o máximo que podemos e cuidamos para não misturar as práticas ilícitas e os desvios de conduta com aqueles que estão se adaptando, mas ainda não completaram as etapas todas.
Uma das modernizações trazidas pelas novas regras é que os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (Fidcs, uma modalidade de renda fixa) e os fundos que investem totalmente no exterior poderão ser vendidos para pequenos investidores. Antes, eles eram oferecidos apenas para os investidores profissionais ou qualificados, com mais de R$ 1 milhão investido.
Os fundos também poderão investir diretamente em criptoativos. Antes, eles tinham de investir comprando criptomoedas no exterior, em um mercado regulado, ou replicando um fundo. Já os fundos sustentáveis seguirão novas normas.
Outra mudança importante para os investidores é em relação à taxa que eles pagam aos fundos. Até então, exigia-se que os fundos divulgassem apenas uma taxa única cobrada dos cotistas, mas que é formada pelas taxas pagas aos três prestadores de serviços: o administrador, o gestor e as plataformas que vendem esses produtos. Agora, deve ser informado aos investidores, separadamente, qual é a taxa de remuneração que cada um desses agentes ganha.
O assunto gerou muita polêmica no setor, porque impacta os acordos comerciais da indústria. O objetivo da CVM é dar mais transparência aos investidores e ajudá-los a escolher em que fundo aplicar. Taxas de remuneração mais altas para as corretoras podem gerar um incentivo a mais para as plataformas venderem um fundo que não necessariamente é o melhor para o investidor. Mas, conhecendo essas taxas, teoricamente o investidor conseguirá identificar possíveis conflitos de interesse e fazer uma escolha mais adequada.
Dados abertos em um site
A Anbima deve lançar um site reunindo as informações sobre os fundos, para facilitar o acesso dos cotistas aos dados. A ideia é que o investidor possa digitar o CNPJ ou o nome do fundo, e o site mostre em que corretoras ele está disponível e as remunerações recebidas por cada uma, de forma simples. O site deve ser lançado nos próximos meses.
" Acabaremos com o incômodo de parecer que os gestores estão indicando uma corretora, mostrando as taxas nos seus sites. Existirá uma fonte independente que mostrará, simultaneamente, quanto as corretoras ganham das gestoras " afirma Pedro Rudge, diretor da Anbima.
Outra mudança importante é que os gestores passaram a dividir as principais responsabilidades dos fundos com os administradores, que antes cuidavam sozinhos da parte operacional e garantiam que os fundos cumprissem as normas. Assim, aumentam as responsabilidades dos gestores, que apenas se concentravam nas estratégias de investimentos. Eles serão responsáveis, por exemplo, por escolher as corretoras onde seus fundos são vendidos.
Nesse cenário, o conselho para os investidores é selecionar com mais cuidado as casas que fazem a gestão dos seus investimentos.
" Recomendo que os investidores fiquem atentos e escolham melhor os seus gestores. A qualidade dos processos das gestoras ficou ainda mais importante " diz José Brazuna, sócio da plataforma de serviços para gestoras Iaas! e ex-líder de fundos da Associação Nacional dos Bancos de Investimento, que depois se tornou a Anbima. " Aconselho desconfiar das gestoras com uma grande oferta de produtos, mas com um time de poucas pessoas.
Por outro lado, os investidores poderão ser mais protegidos com os novos mecanismos criados pela regulação. Os pequenos investidores poderão ter a responsabilidade limitada, isto é, caso o fundo registre perdas maiores que o seu patrimônio, a responsabilidade dos cotistas será limitada ao valor de sua participação. E mecanismos novos permitirão melhorar a gestão de liquidez dos produtos, ou seja, serão uma proteção para os fundos quando um ativo da carteira der problema e os investidores começarem a fazer resgates em massa.
A nova regulação também trouxe a possibilidade de os fundos funcionarem como uma "casca", com classes e subclasses dentro deles. Essa estrutura procura aumentar a eficiência operacional dos produtos.
Na avaliação de Ana Rodela, responsável pelos investimentos da Bradesco Asset Management, a gestora de fundos do banco, as gestoras estão passando por transformações positivas com a flexibilidade da nova regulação.
" Vamos ver surgir produtos novos interessantes e uma indústria cada vez mais dinâmica, com gestoras mais especializadas " afirmou Ana durante o Anbima Summit.