Refém reencontra deus nos túneis do hamas durante cativeiro em gaza
Todas as manhãs, Shelly Shem Tov entrava no quarto vazio do filho e recitava o capítulo 20 ...
Todas as manhãs, Shelly Shem Tov entrava no quarto vazio do filho e recitava o capítulo 20 do Livro de Salmos da Bíblia. Ela não sabia que, ao mesmo tempo, seu filho, Omer Shem Tov, entoava os mesmos versos, "que Deus te responda em um dia de dificuldades", a 40 metros abaixo da superfície, sozinho, em um túnel do Hamas na Faixa de Gaza.
Omer Shem Tov tinha 20 anos quando foi capturado em 7 de outubro de 2023 no sul de Israel. Cresceu em uma casa secular e vivia uma vida sem muitas preocupações após completar o serviço militar obrigatório " trabalhando como garçom em uma churrascaria para juntar dinheiro e viajar para a América do Sul, popular rito de passagem para muitos israelenses de sua idade. Mas foi pego pelo Hamas quando fugia do festival de música Nova, rave que reuniu milhares de pessoas perto da fronteira com a Faixa de Gaza.
Após alguns dias no cativeiro, conta, começou a falar com Deus. Fez votos, começou a abençoar a comida e fazia pedidos, alguns dos quais acredita terem sido respondidos. Ele foi libertado em fevereiro, como parte de um acordo temporário de cessar-fogo, após 505 dias em Gaza.
" Você procura alguma coisa em que se apoiar " disse, na casa de sua família em Herzliya, ao norte de Tel Aviv. " O primeiro lugar que busquei foi Deus. Senti uma força dentro de mim. A fé me manteve inteiro. Sempre acreditei que voltaria para casa, só não sabia como ou quando.
força em Nietzsche
Outros reféns relataram experiências similares, encontrando força para sobreviver ao se conectar ou reconectar com Deus, recorrendo a rituais do judaísmo que haviam abandonado. Alguns disseram ter encontrado um norte em uma frase dita por Hersh Goldberg-Polin, um refém americano-israelense, antes de ser morto por seus sequestradores. Era uma versão de uma citação sobre ter algum propósito na vida, de autoria do filósofo ateu Friedrich Nietzsche, e repetida por Viktor Frankl, psiquiatra austríaco e sobrevivente do Holocausto: "Aquele que tem um porquê pode lidar com qualquer como."
Em 7 de outubro, Shem Tov escapou do Hamas perto do local do festival com sua amiga, Maya Regev, e o irmão dela, Itai Regev. Ori Danino, outro amigo com quem haviam se encontrado horas antes, conseguiu deixar a zona de perigo. Mas ligou para eles, pediu que mandassem a localização e voltou para buscá-los.
Na estrada, atiradores dispararam contra o carro, ferindo os Regev. Os quatro foram levados para Gaza. Danino foi separado dos demais. Ele e outros cinco reféns, incluindo Goldberg-Polin, foram executados por seus sequestradores em um túnel no sul de Gaza em agosto do ano passado, segundo o Exército israelense.
Shem Tov disse que, assim que chegou em Gaza, desceu para os túneis em uma banheira de plástico, içada por uma corda. Seu primeiro instinto foi tentar se conectar com seus sequestradores, conta, apresentando-se e perguntando seus nomes. Um deles perguntou se conhecia as músicas de Eden Ben Zaken, uma cantora pop israelense. Shem Tov cantou o refrão de "Rainha das rosas", um de seus sucessos.
Ele conta que foi forçado a caminhar pelos túneis e chegou a uma casa com sofás amarelos e um candelabro. Depois, foi levado a um apartamento, onde se juntou aos Regev, que receberam tratamentos rudimentares para seus ferimentos. Maya Regev foi transferida para um hospital palestino, e os irmãos foram libertados durante um breve cessar-fogo em novembro de 2023.
Shem Tov disse que trocou de cativeiro várias vezes, geralmente à noite e em uma ocasião usando roupas de mulheres muçulmanas. Ao lado de Itai Regev, quase foi atingido por bombardeios israelenses, incluindo um que estilhaçou as janelas do quarto.
Primeiro milagre
Uma semana após a captura, decidiu se manter kosher (conjunto de regras alimentares do judaísmo). Prometeu a Deus que, se voltasse para casa, rezaria diariamente com o tefilin " caixas de couro contendo pergaminhos com passagens da Torá, que fiéis usam para orações matinais.
Ele diz que o primeiro milagre foi ter sobrevivido ao ataque inicial sem ferimentos. Após o fim do cessar-fogo de 2023, o jovem foi levado mais uma vez para os túneis e passou o resto do tempo de cativeiro sozinho, recebendo às vezes a visita de seus sequestradores. Por 50 dias, relembra, dormiu em uma cela pequena, com pouca comida. Era escuro na maior parte do tempo. Ele mal conseguia respirar, e seus sequestradores lhe deram um inalador.
Certo dia, implorou a Deus que o levasse a algum lugar, qualquer um. Dez minutos depois, conta, os homens o levaram a uma câmara maior, com paredes azulejadas e luz.
" Era como um paraíso.
Agora em casa, o israelense, como outros reféns, ainda se recupera. Seu pai disse que ele voltou mais maduro e mais focado. Agora, o jovem quer estudar artes cênicas, e recentemente voltou de uma viagem na qual conversou com comunidades judaicas nos EUA. E diz que reza diariamente em seu quarto com o tefilin.