‘Em busca de resultados, encontramos a sustentabilidade’
Entrevista especial
Entrevista especial
O grupo Roncador, um dos principais do agronegócio brasileiro, é um dos exemplos mais conhecidos no país e no exterior de ações sustentáveis " e lucrativas " na Amazônia Legal. Sua fazenda em Querência, no Mato Grosso, com 53 mil hectares, pratica a agricultura regenerativa, com integração de lavoura e pecuária (ILP) há muitos anos.
Ali planta-se soja, milho e capim, que alimenta o gado. A mata nativa, de proteção permanente, cobre 50% da área da propriedade. Os insumos biológicos, substituindo os químicos, são utilizados em larga escala. Ao unir a pecuária ao plantio de soja, a fazenda aumentou em mais de 40 vezes a produção de alimentos. Com uso de tecnologia, conservação das flores e melhoria do solo, a Roncador deixou de ser uma emissora de gases do efeito estufa para se tornar sequestradora de carbono.
A fazenda está nas mãos da mesma família desde 1978, quando foi comprada por Pelerson Penido, fundador da concessionária de rodovias CCR e avô do atual CEO do Roncador, Pelerson Penido Dalla Vecchia. Naquela época, faltavam estrada e energia, obstáculos que foram superados. Hoje, o principal desafio de grandes empresas do agro é produzir de maneira econômica e ambientalmente sustentável, avalia o atual líder do Roncador, em entrevista especial ao GLOBO.
Quais obstáculos o Grupo Roncador já enfrentou?
Meu avô, Pelerson Penido, adquiriu a primeira gleba da fazenda que dá nome ao grupo em 1978. Os desafios foram muitos, especialmente em relação à infraestrutura, que não existia. Da construção da estrada para chegar à cidade, passando por geração de energia e uma vila com escola, igreja e supermercado para nossos colaboradores, até o aperfeiçoamento do sistema produtivo, foi um longo caminho.
Hoje, os desafios do agro são diferentes, como expandir a produção sem desmatar?
Vivemos uma agricultura baseada na Revolução Verde, do século passado que tinha como objetivo combater a fome mundial por meio do aumento da produção de alimentos. Esse pacote agronômico atingiu os principais objetivos, além de modernizar a agricultura e permitir o crescimento econômico em países que se tornaram exportadores. Mas, por ter como característica a intensificação do uso de fertilizantes e defensivos químicos, modificou o ecossistema produtivo e tornou os produtores cada vez mais dependentes de insumos industriais. Hoje, precisamos ter, em uma mão, a alta tecnologia e a capacidade de gestão da moderna agropecuária e, na outra, o resgate de conhecimentos essenciais como uso de remineralizadores (rocha moída) para rejuvenescer o solo, defensivos biológicos combinados com o mínimo possível de químicos, rotação de culturas, aproveitamento de resíduos para gerar fertilizantes orgânicos, repovoamento das áreas produtivas com os micro-organismos da floresta. Nada em detrimento do resultado, mas nunca o resultado a qualquer custo.
Como a revolução tecnológica vai mexer com o futuro do agro e do Roncador?
O crescimento será permeado por inteligência artificial (IA), com otimização de tempo pelas novas tecnologias, gerando também mais eficiência produtiva, com um ecossistema produtivo saudável e alinhado com a natureza. A tecnologia tem papel fundamental até aqui e continuará essencial daqui para frente. Vejo claramente potencial aumento de eficiência e assertividade para quem souber fazer as perguntas certas e direcionar foco. Por outro lado, vejo a necessidade primordial de cuidar das pessoas, da saúde mental, de manter a coerência em tudo e evoluir com propósito.
Qual é o principal ativo do grupo, na sua avaliação?
As pessoas são o principal ativo, o maior potencial e o principal desafio. Com elas conscientes e plenas conseguiremos colocar importância nas coisas que têm valor e estão ao nosso alcance, como cuidar das mudanças climáticas. Desenvolvemos o Sistema Regenerativo Integrado, que combina produção de grãos e de carne com uso de alta tecnologia e um olhar cuidadoso para o meio ambiente e para as pessoas. Medimos nossas emissões e fazemos o balanço de gases de efeito estufa desde 2017, somos fixadores de carbono e usamos cada vez mais insumos naturais.
Como será possível buscar sistemas de produção de alimentos mais sustentáveis?
Precisamos estabelecer métricas globais para medir a eficiência climática na produção de alimentos, baseadas em ciência e orientadas por resultados, para guiar a transformação dos sistemas alimentares e mobilizar capital para práticas eficazes e escaláveis. As práticas regenerativas devem ser incentivadas pelo setor público e privado através de recursos com juros mais baixos. Outro ponto importante em relação ao clima é repensar quando colocamos lado a lado as emissões de todos os setores com as emissões na produção de alimentos. Todos os setores emitem e podem diminuir suas emissões, mas a única forma de fixar carbono é trabalhando a terra. E quanto melhor o solo, mais se produz e mais carbono é fixado.
ARTUR GRYNBAUM, vice-presidente do Conselho do Grupo Boticário, pergunta: Quais lições ou estratégias de inovação e gestão de risco, você considera mais aplicáveis e cruciais para empreendedores do seu setor? E de outros setores?
Medir muito para levantar a régua com base nos melhores números. Experimentar e pesquisar com curiosidade, eficiência e objetividade. Incorporar imediatamente o que deu certo ao sistema produtivo. Quando práticas como essas se repetem na trajetória de um gestor, a empresa sobe muitos degraus, independentemente do ritmo de evolução do setor. É preciso cuidar das pessoas com interesse genuíno. As pessoas são, de fato, nosso principal ativo. O solo sagrado é o que estiver embaixo dos nossos pés e só poderemos atuar com plenitude e alinhados com as forças da natureza se tivermos pessoas conscientes buscando aprendizado e elevação nas suas vidas. Por isso, precisamos apoiá-las. Se acreditamos que a empresa é ferramenta para o desenvolvimento humano, então aqui está a grande oportunidade.
DIEGO BARRETO, CEO do iFood e da Prosus na América Latina, pergunta: Qual foi o momento mais difícil como líder em que você teve que decidir entre implementar uma tecnologia que traria ganho de eficiência enorme, mas que tornaria obsoleta uma equipe de pessoas leais e com anos de casa?
A evolução e o aprimoramento são essenciais para a sustentabilidade econômica da companhia. A tecnologia no agronegócio evolui com rapidez e a aplicabilidade delas é quase sempre imediata. Isso imprime um ritmo de aprendizado veloz e uma necessidade de atualização contínua das equipes, por meio de treinamentos regulares. Independentemente da formação de base, todos somos chamados a aprender constantemente. Ao vivenciar os ciclos da natureza ano após ano, percebemos que nenhum é igual ao outro. E é justamente a experiência acumulada ao longo do tempo que fortalece nossa capacidade de tomar decisões assertivas. Além das atualizações técnicas, temos um olhar atento e uma atuação constante no desenvolvimento das pessoas. Vivemos em um mundo com excesso de estímulos: novas tecnologias, redes sociais, inteligência artificial, acesso massivo à informação. Tudo isso afeta diretamente a saúde mental das pessoas. E se queremos construir um negócio verdadeiramente saudável, precisamos cuidar genuinamente de quem está com a gente. Por isso, criamos na Roncador o setor de Gente e Gestão, que responde diretamente a mim. Ali, planejamos e reavaliamos constantemente ações direcionadas para isso. Ainda não vivenciei essa situação, mas me parece que trabalhos repetitivos não precisarão mais ser feitos com a chegada das novas ferramentas.
ALBERTO KUBA, CEO da WEG, pergunta: Como a busca por maior eficiência e produtividade no campo pode caminhar junto com a adoção de soluções energéticas mais limpas e sustentáveis?
No nosso caso isso aconteceu naturalmente. Fomos em busca de resultados e encontramos a sustentabilidade. De um lado, temos o avanço técnico e tecnológico, que nos apoia nos controles, na tomada de decisões e na mitigação de riscos, na medida do possível, dentro de uma indústria a céu aberto. De outro, resgatamos saberes essenciais: o respeito aos ciclos da natureza, a reconstrução da vida no solo, o uso de defensivos biológicos, pó de rocha, sistemas integrados, adubação orgânica e a cobertura constante do solo. Essa combinação, que une o melhor da inovação com as práticas regenerativas, é complementada, quando necessário, pelo uso consciente de defensivos químicos, adubação solúvel em menor escala e sementes de alta produtividade. Para nós, esse é o caminho: produzir alimentos em escala, com responsabilidade e ao mesmo tempo cuidar da nossa casa comum, o planeta Terra.
Pelerson Penido Dalla Vecchia / CEO do Grupo Roncador