Hidrogênio verde começa nova fase agora
Entrevista
Entrevista
À frente da companhia centenária que é líder do mercado de gases industriais no Brasil, o executivo conta que seu projeto de hidrogênio verde " combustível limpo, feito a partir da eletrólise da água e com energia verde " está prestes a entrar em fase verdadeiramente industrial. Uma nova planta em Jacareí (SP) vai quintuplicar a produção e, pela primeira vez, buscar um mercado consumidor.
Como o tarifaço impacta seu negócio?
O impacto direto é baixo, porque nosso produto não é exportável. Exportamos carbureto de cálcio para os EUA, mas é algo muito reduzido. O impacto se daria pela potencial repercussão na indústria, que representa 70% do nosso mercado.
Isso é tema de conversa com a matriz?
Para ser sincero, não dá nem tempo, porque a cada hora ele (Trump) anuncia uma tarifa para algum país. Como somos parte do grupo Linde (de origem alemã), que opera em cem mercados, é muita coisa para a matriz acompanhar… Mas, claro, isso preocupa um pouco.
Fora isso, vocês estavam otimistas com o crescimento no Brasil?
Nossa meta é crescer dois dígitos ao ano, mesmo com juros altos. O ano estava indo bem e, se houver impacto das tarifas, não será imediato. E os planos que temos levado para a matriz têm sido aprovados. Eles confiam no potencial do Brasil, independentemente desses quebra-molas que aparecem eventualmente.
Qual é a importância do Brasil na operação global do grupo?
Estamos entre os cinco maiores mercados, faturando entre US$ 1,2 bilhão e US$ 1,3 bilhão. Todo mundo vê nossa marca quando vai a uma emergência de hospital, mas fornecemos gases para clientes que vão da siderurgia à indústria química, passando pelo setor de alimentos e bebidas. Vendemos o CO₂ do refrigerante. E já somos fabricantes de hidrogênio há muitos anos, mas, recentemente, entramos na aventura do hidrogênio verde.
Como está evoluindo o projeto?
Temos uma planta operando há mais de dois anos, em Pernambuco. É nosso showroom. Mas vamos inaugurar uma nova unidade em outubro, em Jacareí (SP). Será cinco vezes maior, com 800 toneladas de produção de hidrogênio verde por ano. Apenas 20% da produção irão para um cliente específico, a fabricante de vidros Cebrace. Todo o restante será destinado ao mercado, o que é inédito. Daí a importância da estratégia para garantir que seja um gás competitivo em termos de custo.
Mas há demanda no mercado?
O mercado quer, porque há grande apelo de sustentabilidade. Mas é essencial que o custo seja competitivo.
A planta de PE não vende para o mercado?
É residual. Lá, 80% da produção vão para um cliente único, uma indústria de alimentos. E só 20% vão para o mercado, em cilindros. Mas aquela é uma planta-piloto, cujo objetivo era testar a possibilidade de fazer um produto competitivo. Agora, vamos abrir uma planta verdadeiramente em escala industrial.
Quão mais caro é o hidrogênio verde em relação ao cinza (obtido a partir de combustível fóssil)?
Não se sabe ao certo, porque a produção ainda é praticamente inexistente. Queremos colocar a nova planta para operar e entender exatamente quanto gastaremos em energia para gerar o hidrogênio verde, e ver se nossas projeções no papel se confirmam. É uma tecnologia nova, com muita demanda latente, mas o custo ainda é uma incógnita " e os clientes querem ver a operação funcionando.
Mas as contas preveem qual custo?
Estamos estimando um custo que fique no zero a zero em relação ao hidrogênio cinza. Estamos otimistas com a competitividade.
O mercado externo será o principal comprador do hidrogênio verde?
Tem muita gente brigando pelo mercado europeu, que demanda hidrogênio verde até por pressão política. Com a guerra na Ucrânia, o mercado deu uma esfriada, com os países da região buscando energia fóssil para garantir a oferta. Agora, a demanda pelo hidrogênio verde está voltando devagarzinho, e os projetos começam a se reestruturar. O Brasil tem posição privilegiada porque, ao mesmo tempo que possui um enorme potencial de energia limpa, também tem um mercado interno relevante, o que viabiliza os projetos.
Reclama-se da dificuldade de acesso à infraestrutura de energia para os projetos.
Depende. Os maiores projetos, voltados à exportação, estão localizados em áreas onde já há infraestrutura de energia " nos portos do Pecém (CE) e do Açu (RJ), por exemplo.
Vocês planejam novas plantas de hidrogênio?
Se o mercado comprar, a estratégia é colocar novas plantas para operar. Fazemos isso não só com hidrogênio verde, mas também com gases do ar, como oxigênio e nitrogênio. Nos últimos 12 meses, nosso plano de expansão consumiu investimentos de R$ 600 milhões, além de R$ 50 milhões no projeto de hidrogênio verde. Mas o hidrogênio verde é nossa grande aposta para o futuro da empresa. Já temos 113 anos e, se quisermos outro século de operação, temos a obrigação de participar de mercados crescentes.
Gilney Bastos, CEO da White Martins