Corredores trocam o sol pelo frescor e pela diversão das provas noturnas pelo país

NO ritmo da noite
Michel Cabral, de 34 anos, psicólogo social na Cáritas Arquidiocesana, em Campinas (SP), não gosta de acordar cedo. Isso, porém, não o impede de disputar corridas de rua nem de praticar o esporte preferido. Adepto dos treinos e provas noturnas, ele se apaixonou pela corrida ainda criança, em 2002, ao conhecer o atletismo de pista em um projeto social em Valinhos, sua cidade natal.
" A preferência por acordar mais tarde tem relação com a maior facilidade para desenvolver minhas atividades. Há onze anos, na Cáritas, faço horário entre tarde e noite. Antes trabalhava de madrugada em abrigo de criança. Por isso, prefiro mil vezes as corridas noturnas " explica. " Além disso, a vibe do pessoal é mais de se divertir, sem aquele compromisso de acordar às 4 horas para se organizar e estar na largada às 7 horas. Acordo de boa, passo a tarde lendo um livro e vou para a corrida.
Para ele, além de não atrapalhar o sono, o fator temperatura é o maior benefício. Muitas corridas à noite têm percursos mais curtos, atraindo atletas de diferentes níveis.
" As temperaturas são amenas do começo ao fim. As da manhã, com o avançar da prova, ficam muito quentes. O pós-prova também é mais atrativo: shows, barracas de comida e bebida bombam, e a galera fica mais tempo, sem o sol na cabeça " diz.
Campinas é uma das recordistas nacionais em número de corridas noturnas, ao lado de Ribeirão Preto e Sorocaba, segundo a Tickets Sports, maior plataforma de inscrições para eventos esportivos da América Latina. No primeiro semestre de 2025, juntas, essas cidades fizeram 19 provas. A capital paulista liderou, com 30.
Um levantamento da Tickets apontou que as corridas noturnas estão em alta no interior e já superaram todo o volume de 2024: 111 eventos no primeiro semestre contra 97 no ano passado inteiro " alta de 14%.
Segundo Gabriela Donatello, gerente de marketing da Ticket Sports, o crescimento reforça a busca por experiências diferenciadas:
" Está muito ligado à busca dos atletas por condições mais agradáveis para correr, além de oferecer uma experiência sensorial única. Luzes, música, ambientação temática... Tudo isso contribui para tornar a corrida algo além da performance: um programa.
Para Daniel Krutman, CEO da empresa, as provas noturnas refletem mudança de comportamento, embora ainda representem apenas 5% do total de corridas no país.
" O mundo da corrida não está na moda, é uma transformação social. As corridas noturnas, além do cuidado com a saúde, trazem inclusão, socialização e bem-estar. É comum ver grupos de amigos que se organizam para correr juntos à noite, transformando esse momento em uma atividade coletiva e prazerosa.
noite de sambódromo
Michel, que treina sozinho, valoriza a confraternização pós-prova. Entre suas favoritas estão a Corrida da Lua, tradicional em Campinas, a Rock’n Running, com bandas tocando a cada quilômetro, e a Corrida da Mãe Aparecida, em Aparecida do Norte (SP), que tem missa, bênção, medalha com imagem da Nossa Senhora e kit com artigos religiosos. Parte do percurso passa pela área externa da Basílica.
No Rio, o Sambódromo recebeu recentemente o circuito Night Run, o maior do segmento, com 21 provas em 19 capitais " Rio e São Paulo têm duas cada. A Night Run é famosa por transformar ruas em pista de dança, com DJs, efeitos visuais e iluminação cênica.
Mayra Lyra, 30 anos, psicanalista clínica, participou dessa etapa e já se inscreveu para a de outubro. Começou a correr em 2023 para o Teste de Aptidão Física (TAF) da PM, já fez oito provas em 2025 " uma noturna " e tem mais seis no calendário.
" Prefiro me exercitar de manhã, mas fui experimentar a corrida noturna com amigos da minha assessoria e me surpreendi com meu desempenho. Tenho planos de correr uma meia maratona em seis meses e, mais para frente, uma maratona. Se achar eventos desta distância à noite, vou preferir " afirma. " Antes eu corria 200 metros e morria... Comecei pelo TAF e me apaixonei.
Ela elogia a organização e conta que passou a treinar no fim do dia no Aterro do Flamengo:
" Tudo muito organizado, desde o desembarque no metrô com muita sinalização até as atrações. Teve show e bateria de escola de samba antes, durante e depois da prova. Comparando com as corridas de manhã, acho que o público não dispersa tão rápido.
corrida do batman
Segundo Matheus Vaz, 45 anos, gerente de Conteúdo da O2, organizadora do circuito, o Night Run cresceu 60% em número de etapas nos últimos cinco anos, e o público aumentou em média 30%, chegando a 15,6 mil inscritos.
" Organizar corrida noturna é mais complicado, pois geralmente são no sábado à noite, quando a circulação de carros é maior. Entre as dificuldades estão trânsito, iluminação e segurança " diz. " Mas são mais descontraídas, sem muita obrigação. Virou point de encontro entre amigos, colegas e jovens que buscam qualidade de vida juntando esporte e diversão.
Outra corrida que chama atenção é a Batman & Batgirl Run Series, marcada para 13 de setembro no Campo de Marte, em São Paulo, organizada pela Yescom e Warner Bros.
" Este é o tipo de corrida que nasceu para ser noturna. De dia, o morcego dorme. E à noite, ele sai para trabalhar " brinca Thadeus Kassabian, diretor da Yescom, lembrando que no kit há até lanterna de cabeça. " Já fizemos a Corrida de Halloween e a Corrida Noturna, cujo domínio é nosso. A oferta de percurso noturno é pequena, sobretudo em São Paulo. Esta será a terceira vez que organizamos esta corrida, entre o Centro histórico e o Anhembi, além do Campo de Marte. Estamos atrás de um local "controlado" para levar a Corrida do Batman ao Rio.
No primeiro semestre de 2025, a cidade teve seis corridas noturnas e prevê mais cinco até dezembro. Segundo a prefeitura, o impacto no trânsito é decisivo para aprovar eventos, e novos locais " como Parque Madureira, Parque Olímpico, Praça Mauá e Praça da Apoteose " estão sendo adaptados para receber provas à noite.