Martes, 26 de Agosto de 2025

Nova tecnologia promete identificar crimes de guerra

BrasilO Globo, Brasil 25 de agosto de 2025

Em meio à destruição causada pela guerra na Ucrânia, um projeto de pesquisa desenvolvido ...

Em meio à destruição causada pela guerra na Ucrânia, um projeto de pesquisa desenvolvido na Noruega busca enfrentar um dos maiores desafios de qualquer conflito: produzir provas sólidas, tecnicamente verificáveis, que permitam responsabilizar autores de crimes de guerra. Batizado de Renwar (acrônimo em inglês para Registro de Munições Explosivas para Análise de Crimes de Guerra), o programa reúne o Instituto de Pesquisas de Paz de Oslo (Prio) e a fundação Norsar para aplicar tecnologias sísmicas e acústicas de ponta na detecção de explosões, cruzando esses dados com informações de campo para identificar quando e onde ataques ilegais contra civis ocorrem.
Financiado pelo Conselho de Pesquisa da Noruega com 12 milhões de coroas norueguesas (cerca de US$ 1 milhão), o Renwar foi lançado em março de 2025 e terá duração de três anos. Os primeiros resultados devem sair em 2026, mas o objetivo geral é ambicioso: criar uma ferramenta inédita que possa ser usada não apenas na Ucrânia, mas também em futuros cenários de guerra ou cessar-fogo.
A ideia surgiu antes mesmo da invasão russa, em 2019, quando o cientista político Sebastian Schutte, do Prio, tomou conhecimento das capacidades de monitoramento da Norsar. A fundação opera estações da rede internacional da Organização do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBTO), capazes de registrar vibrações no solo e ondas sonoras de baixa frequência a grandes distâncias.
banco de dados
A colaboração se fortaleceu em 2022, quando pesquisadores noruegueses começaram a monitorar explosões na Ucrânia por questões de segurança nuclear. Um estudo publicado na Nature em 2023 comprovou a eficácia da tecnologia para captar eventos de combate.
" Os registros sismoacústicos são únicos. Há coisas acontecendo perto da linha de frente que nenhuma outra fonte de dados consegue revelar " disse Schutte, coordenador do projeto, durante uma entrevista ao GLOBO na sede do Prio.
Como parte do projeto, a Norsar desenvolveu algoritmos que identificam explosões com precisão crescente, usando aprendizado de máquina para diferenciar eventos de guerra de outras detonações. O Prio, por sua vez, está construindo um banco de dados relacional que cruza essas detecções com relatórios de ataques, imagens de satélite, dados de redes sociais e localização de infraestrutura crítica. A integração permite mapear padrões e identificar possíveis violações das Convenções de Genebra, especialmente do Protocolo I de 1977, que proíbe ataques indiscriminados em áreas povoadas.
O projeto tem três objetivos principais. O primeiro é metodológico: compreender quais tipos de explosões e atividades de combate podem ser registrados e em quais condições. Isso inclui entender lacunas " por exemplo, mísseis que atingem prédios altos podem gerar pouco sinal sísmico, embora sejam audíveis e visíveis nas imagens. O segundo é substantivo: investigar em que circunstâncias civis enfrentam maior risco de ataques intencionais, seja como retaliação ligada ao combate ou como parte de campanhas políticas de intimidação. O terceiro é aplicado: desenvolver ferramentas para monitorar cessar-fogos e mapear munições não detonadas após o conflito.
ataque duplo
Entre os crimes que o Renwar espera detectar está o chamado ataque duplo, usado pela Rússia na Síria e na própria Ucrânia: um primeiro bombardeio destrói um edifício residencial, e um segundo, minutos depois, atinge equipes de resgate e moradores que tentam salvar vítimas. A combinação de dados temporais precisos, mapeamento de áreas residenciais e imagens abertas pode fornecer evidências robustas desse tipo de ação, explica Schutte.
Hoje, a rede sísmica da Norsar já é capaz de detectar explosões com alto grau de precisão, mas a ambição vai além.
" A verdadeira esperança é que possamos identificar os tipos de munições até o final do projeto " afirma o coordenador. " Assim, poderemos dizer se se trata de um ataque de artilharia, de mísseis ou até de munição de fragmentação. Isso é fundamental, por exemplo, para prever áreas com munições não detonadas e apoiar operações de limpeza.
Os desafios, no entanto, são grandes. Do lado técnico, fatores como o clima afetam a propagação de ondas sonoras, e a cobertura depende da distância dos sensores. Há também "efeitos de seleção" " nem todas as explosões são registradas, e nem todos os relatos de redes sociais correspondem a eventos captados. Politicamente, a implementação de um sistema de monitoramento em um cessar-fogo também exigiria confiança das duas partes e governança clara dos dados, que, segundo Schutte, seriam divulgados com ao menos 24 horas de atraso para torná-los inúteis do ponto de vista tático militar imediato.
tribunais e governos
A questão da intencionalidade é um dos pontos mais sensíveis do projeto. Nenhum dado isolado é suficiente para afirmar se um ataque foi deliberado contra civis ou infraestrutura protegida. Por isso, o Renwar adota uma abordagem de "evidência estatística indireta", explica Schutte:
" Não temos como provar diretamente a intenção, mas podemos mostrar padrões: quando ataques repetidos atingem escolas, hospitais ou redes elétricas em áreas sem combates ativos, isso fortalece a hipótese de que não foi coincidência " diz.
Para Schutte, o impacto potencial da iniciativa é amplo.
" Mesmo que não possamos aplicar tudo agora na Ucrânia, estamos construindo a infraestrutura e o conhecimento para o futuro " reforça, acrescentando que isso inclui usos além da responsabilização criminal, como monitorar cessar-fogos e mapear áreas perigosas para populações civis após o fim das hostilidades. " Se conseguirmos reduzir a margem de manobra para o uso ilegal de munições explosivas, já será uma vitória para atores humanitários e pesquisadores da paz como nós.
Ele acredita que, no futuro, um sistema semelhante poderá substituir missões tradicionais de observação, como a conduzida pela Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) de 2014 a 2022 na Ucrânia, oferecendo mais segurança e menor custo " e dados mais completos e verificáveis.
Embora o Renwar ainda esteja na fase inicial, a expectativa é que seus resultados ajudem instâncias como o Tribunal Penal Internacional, ONGs e governos a reunir provas mais sólidas contra violações do direito humanitário. Se a tecnologia cumprir o prometido, a névoa da guerra poderá se dissipar um pouco mais " e os responsáveis por crimes contra civis terão menos espaço para se esconder.
*A repórter viajou a
convite do Consulado Geral da Noruega no Rio
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